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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



terça-feira, 13 de agosto de 2013

Muitas felicidades, laralalaralááá..

Descrição da imagem: celebração no saguão do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, onde havíamos acabado de esvaziar a cerimônia de abertura do Congresso de Prevenção em 2010.
 
 
Lembro muito bem daquela noite. Estávamos em Floripa, ano de 1999, para um dos encontros da sala HIV da internet onde pessoas vivendo ou não com o vírus de todo o Brasil celebravam a Vida. Eu, Peace, Eusp, Matheus/SP, LOA, Hebe, Fernando/RJ, (Crix) Ivan e mais algumas cujo apelido não me recordo, comemorávamos o aniversário de Matheus em um belo restaurante com uma vista panorâmica da cidade. E, na hora de cantar os parabéns, entoamos felizes:
- Parabéns a você nessa data querida, muitas felicidades, laralalaraláááá!!!
Juro, esse final não estava combinado e foi cantado simultaneamente por todos. Claro, caímos em uma sonora gargalhada chamando a atenção dos demais presentes para aquele alegre grupo de pessoas cuja maioria, ninguém diria, vivía com HIV. Aquele final não fazia parte de uma celebração, era uma forma nervosa e divertida de expressar nossa expectativa de vida: um dia de cada vez. O coquetel havia chegado muito recentemente e muitas dúvidas povoavam nossas almas já marcadas por várias perdas e desafios. Será que vai funcionar mesmo? Já se falava em efeitos colaterais, até onde iriam? Cura? Nem pensar, segundo a ciência isso seria quase impossível pelas características da infecção e do próprio vírus.
 
 
Agora a comunidade científica internacional tem se atido mais a esse tema, a cura. Os financiadores perceberam que com AIDS o buraco é mais embaixo e que essa história de doença crônica e sob controle é pura balela. Muito disso se deve às pessoas com HIV de Nova Iorque que fizeram do envelhecimento precoce, o pai dos efeitos colaterais, uma pauta dirigida às publicações classe A dos EUA, as revistas que os investidores lêem no banheiro. Pesquisas voltaram a se propagar pelo mundo, retomando um ramo que havia declinado em mais de 90% após a descoberta do coquetel e hoje temos alguns resultados concretos, que sinalizam que é possível chegar à cura da AIDS, já com dezesseis casos anunciados, conforme matéria da última edição da revista Super Interessante, já repercutida neste blog através do artigo 'A cara da cura'.
 
 
Naturalmente ainda levará alguns anos para que as descobertas recentes sejam mais bem avaliadas, que sejam verificados os prováveis efeitos colaterais e sua extensão, discutir profundamente os aspectos éticos envolvidos... Mas é um senhor avanço a gente estar falando sobre ela, a cura, de forma aberta e com perspectivas reais de se concretizar. No entanto, tenho recebido algumas críticas, feitas por amigos queridos, sobre meu otimismo com relação ao assunto. De que ainda há muito que fazer e que isso provocaria um temor de ser um 'falso positivo'. A todos respondi igualmente: eu sei que ainda tem muito que fazer, mas a gente tem que festejar cada pequeno ou grande avanço em direção à cura. A expectativa de chegada do coquetel era somente para o século 21, mas acabou sendo descoberto em 1995. Quem sabe esse tempão se transforme em um lapso e, aí sim, seremos surpreendidos novamente, como diria Zagalo.
 
 
Aí eu volto no tempo e me recordo também de outra situação, no Encontro de Pessoas Vivendo com HIV dos grupos Pela Vidda do Rio e Niterói em 2008. A mesa era sobre pesquisas, auditório cheio, e foi dado início ao debate que seguiu após as apresentações dos pesquisadores. Eu tenho o braço treinado para se levantar sozinho quando eu ouvir algumas palavras como 'Bem...', 'Vamos...' ou outras que sinalizam o início de inscrições para as falas, mas desta vez eu perdi para um irmão do Rio de Janeiro. Quando ele terminou eu disparei minha questão, detonando o seguinte diálogo:
 
- Ouvi atentamente as exposições de vocês e não foi feita nenhuma menção à cura do paciente de Berlim que acaba de ser noticiada.
- É por isso que nós não gostamos de anunciar os resultados de pesquisas, eles despertam esperanças nas pessoas e...
 
Interrompi o pesquisador, claro que pedindo licença:
 
- Peraí, com licença... Mas vocês acham que a gente vive de que? A gente vive de esperança que um dia isso acabe e ela deve ser propagada e festejada sempre que possível.
 
Ao que o auditório ruiu em ovação com gritos de 'eu também, eu também'. O palestrante refletiu um tempo e depois se desculpou pela má colocação de palavras e tal.

 
Acredito que um dos piores efeitos colaterais do coquetel foi a acomodação das pessoas vivendo com HIV, engajadas à luta contra a AIDS ou não. Hoje as pessoas se valem da (in)cômoda invisibilidade, vão ao serviço de assistência uma vez por mês para pegar seus medicamentos, a cada três para repetir exames de controle e consulta médica. Claro, quando esse nível de atenção permite esses 'luxos' do SUS, afinal, a tendência no Brasil é de descentralizar nosso atendimento para as UBSs e ai a cobra vai fumar. Quem sabe, seguindo a lógica de que a necessidade é a mãe da atitude, as pessoas voltem a pensar em sua existência como seres políticos e o engajamento volte a ser o que era antes do coquetel. Enfim, isso é outra história, aqui falamos sobre celebrações. E essa prática também foi esquecida pelos ativistas, muito ocupados que estão com a sustentabilidade de suas ações, com o fechamento de ONGs por falta de apoio, com os efeitos colaterais que os tem consumido... São tantas as perdas de diretos e desafios cotidianos que não sobra tempo e nem pique para festejar. Tanto que foi uma surpresa para muitos o fato de festejarmos ruidosamente o sucesso de uma ação de ativismo em um evento em Brasília, tendo sido taxados de mal educados por alguns.

 
Mas temos que fazer um esforço. Se a vida lhe deu um limão, pegue uma boa vodka e prepare uma caipiroska com bastante gelo, assim a carga de preocupações dá um tempo e, quem sabe, nesse momento você tenha uma ótima idéia para melhorar a Vida. Temos que usar essa esperança não para nos iludir mas, sim, para reforçar a importância da adesão ao tratamento, de exercícios físicos regulares, de boas práticas no dia a dia evitando qualquer tipo de abuso e, sobretudo, a importância de mantermos cada vez mais viva a Fé em nossos corações. E quando falo em Fé não me refiro necessariamente a uma religião ou seita. Mas, sim, na crença de que amanhã será melhor que hoje e que não brigamos tanto para morrer na praia, literalmente.

 
Temos que festejar mais, vibrar mais com essas conquistas como se fossem nosso aniversário, como festejo hoje meus cinqüenta e dois anos muito vem vividos, em boa parte devido a amizades muito fortalecedoras. A celebração é um fixador das vitórias em nossos corações. Isso faz bem para a imunidade e para as atitudes que tomaremos em nosso dia a dia. E nunca mais termos que cantar 'laralalaralááááá...' ao final do parabéns a você. Não que muitos anos de vida sejam uma certeza, nunca são. Mas voltaram a ser um sonho possível.
 
 
Beto Volpe
 

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