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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Podres poderes

Descrição da imagem: vários corpos em chamas como em um balé macabro sob uma noite obscura.


Aí, galera do mal.

Tá liberado, quem quiser pode descer porrada, atropelar, botar fogo, barbarizar da forma que quiser os moradores de rua de todo o Brasil. A Polícia Militar de São Paulo deu a nota, a de Sergipe afinou o tom, a população apoiou e agora vemos uma sucessão de pessoas sendo triturados ou transformados em tochas humanas na olimpíada do terror. Rio, Brasília, Sampa e, na manhã desta terça feira, Curitiba entrou no circuito dos imolados com um jovem que está internado com queimaduras no tórax e nos braços.

Galdino puxou o foguetório, anos atrás, gerando horror na sociedade pela covardia com que alguns jovens de classe média alta transformaram em cinzas os sonhos daquele índio que esperava seu transporte em um ponto de ônibus. Desde então, e mesmo antes, a escalada da violência tem crescido ao ponto de assustar até mesmo os profissionais que atuam na área de segurança. Assusta tanto que, por seu despreparo em lidar com grupos ou por uma orientação política excludente, a PM de SP endureceu e começou a descer a borracha em sindicalistas, professores, maconheiros e nem a polícia civil escapou.

'Ou então cada paisano e cada capataz com sua burrice fará jorrar sangue demais...'

Aí aconteceu o episódio da cracolândia de Sampa, que todos lembram. Centenas de usuários de drogas foram publicamente pulverizados pela cidade através da aplicação de desproporcional força bruta e sem alternativas de tratamento a serem oferecidas. O resultado foi a continuidade do problema de dependência daquelas pessoas e a criação de dezenas de cracolândias pela cidade. E, súbito, no show de despedida dos palcos de Rita Lee em Aracaju, a PM de Sergipe achou interessante a solução final de SP para as drogas e sarrafou um grupo de jovens que fumava baseados à frente do palco. Claro, crack, maconha, travesti, frutinha é tudo a mesma coisa... Tem que ser na porrada.

'Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica que sempre precisará de ridículos tiranos?'

Caetano estava certo. Os podres poderes emanam de nós mesmos. Ainda somos um povo que exalta a violência como solução para a violência e a exclusão para a diferença. Que acha bonito dar cabo de uma vida com a força do fogo simplesmente porque não lhe agrada aos olhos ou ao coração. Quantas tochas ainda veremos arder até que os crimes de ódio tenham a punição que merecem?

'Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos e perdem os verdes Somos uns boçais...'

Pais boçais e permissivos que fazem com que jet skis sejam transformados em armas por jovens acostumados aos deleites e privilégios do poder desde cedo. Deu problema? Sem problema, é só fugir do local do crime de helicóptero, como aconteceu em Bertioga. E se não der pra fugir do B.O., nada que bons advogados não consigam contornar pelas brechas do ECA, que muito faz pela infância e pela juventude, mas que também tem ajudado na impunidade em nosso país. Quem sabe os jovens pilotos de jet ski de hoje não serão os incendiários de amanhã?

'Enquanto os homens exercem seus podres poderes morrer e matar de fome, de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais... '

Beto Volpe
Trechos com aspas: Podres Poderes, in Velô
(valeu, Caetano)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Uso inadequado do preservativo masculino vira questão de saúde pública mundial



 
Pessoal, compartilho no blog estudo muito preocupante do Instituto Kinsey sobre preservativos. Peço atenção à frase destacada de um dos pesquisadores que contraria o senso comum de controle da epidemia.

 Descrição da imagem: close em preservativo masculino vazio, ainda enroladinho....

Revisão de estudos destaca problemas no uso eficaz do preservativo, como não usá-lo durante o sexo ou colocá-lo ao contrário
A prevalência do uso incorreto do preservativo masculino, como não usar o preservativo durante o sexo ou colocá-lo ao contrário, se tornou uma grande questão de saúde pública nos Estados Unidos e no mundo, de acordo com uma revisão de estudos publicada no jornal Sexual Health. Os artigos destacam os problemas e as barreiras envolvidas no uso eficaz do preservativo e fazem sugestões para melhorar o acesso aos preservativos, abordando questões culturais que podem interferir na aceitação desse método.

Liderados pelo Kinsey Institute Condom Use Research Team, ou CURT, mais de 20 pesquisadores de todo o mundo examinaram e discutiram questões como sexo seguro, comportamentos de adultos norte-americanos, preservativos falsificados na China e uso do preservativo feminino na África do Sul. "Os artigos ilustram ambos os pontos comuns e as diferenças relativas no uso e na promoção de preservativos masculinos em todo o mundo. Eles fornecem mais um recurso para os profissionais de saúde sexual para usar maneiras de aumentar a aceitação cultural e individual do uso do preservativo", afirma William L. Yarber, da Universidade de Indiana.

CURT, que tem estudado o uso de preservativos durante uma década, é composta por estudiosos da Universidade de Indiana, Universidade de Kentucky, Universidade de Guelph, em Ontário, no Canadá, e Universidade de Southampton, no Reino Unido. Os pesquisadores sugerem que fechar a lacuna entre a maneira ideal de usar os preservativos e a forma mais comum de uso é fundamental para a redução de gestações não planejadas e da propagação de infecções sexualmente transmissíveis, como HIV. Os preservativos são baratos em comparação medicamentos para a AIDS, que muitas vezes são inacessíveis para as pessoas em maior risco.

"Embora gostaríamos de pensar a epidemia de Aids está no fim, isto não é verdade. Nos EUA, ela está ficando pior", alerta o pesquisador Richard Crosby.

A revisão de estudos representa a primeira vez que pesquisas sobre o uso de preservativos em todo o globo foram agrupadas em um único lugar. Pesquisadores da CURT querem reunir agora as informações nas mãos de organizações globais de prevenção da AIDS, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças os EUA (CDC).

Segundo os pesquisadores, a diferença entre o uso correto do preservativo e o uso mais comum aponta para uma necessidade de uma melhor educação e instrução sobre uso de preservativo. Tornar acessíveis preservativos às pessoas que deles necessitam é importante, mas o aconselhamento clínico, a educação pública e os esforços baseados na Internet são todos requisitos essenciais para o uso correto do preservativo.

"Trata-se de falar abertamente sobre coisas tais como ereção, sêmen, lubrificante e outros aspectos do sexo que podem deixar as pessoas desconfortáveis. Essa falta de educação e de detalhe por constrangimento ou desconforto acaba custando vidas", conclui Crosby.

Fonte: Isaude.net

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Que a Saúde se difunda sobre a Terra

Descrição da imagem: o profissional de pé trajando branco, o cliente sentado, olhos nos olhos. Lembra a acolhida e o compromisso do profissional de saúde gerando uma relação de confiança.


A CNBB foi muito feliz ao adotar a defesa da saúde pública para a Campanha da Fraternidade 2012, que leva como tema o título deste texto e é extraído da Bíblia em Eclesiástico 38.8. Se tem algo que a Igreja não compreende, tanto quanto os miseráveis clientes do SUS, é o Brasil investir apenas 3,24% do PIB em Saúde ao passo que países com bons sistemas aplicam em média 6,7%. Coerentemente defende a 'EC 29 como alternativa para enfrentar essa problemática'. Assim como foi certeira ao afirmar que a conversão desse Sistema 'pede que as estruturas de morte sejam transformadas'. Estruturas de morte, referência e contra referência.

Faz preciosas considerações sobre doença, saúde e salvação. Conseguiu exprimir um sentimento muitas vezes percebido por mim, o de que aquele corpo com AIDS não era meu corpo. Aquele corpo com deficiência não era meu corpo. Aquele corpo com câncer não era meu corpo. 'Um outro independente, rebelde e agressor. Ninguém escolhe ficar doente. A doença se impõe. Ela pode tolher nosso direito de ir e vir. A doença é, por isso, um forte convite à reconciliação e à harmonização com nosso próprio ser.' Não poderiam ter sido mais precisos, tanto na dificuldade quanto na oportunidade. Mais um déjà vu. A vernacular relação entre saúde e salvação, presente no grego e no latim dente outras línguas antigas, reconhece que para a promoção da Saúde é necessário à sociedade 'curar-se do medo de se aproximar do outro, de se tornar próximo do outro, pois isto implica aceitar tornar-se frágil nas mãos de outrem.'

Confesso que, mesmo tendo sérios questionamentos sobre alguns princípios e práticas da Igreja Católica, fiquei emocionado pela profundidade com que a Ação Evangelizadora norteará a Igreja para que 'aconteça uma conversão pastoral que a coloque em estado permanente de missão.' E essa missão passa por refletir sobre a Saúde no Brasil e mobilizar a comunidade por melhorias do SUS, especialmente seu justo financiamento, o que implica em qualificação de lideranças comunitárias em direitos humanos e controle social. 

Destaca as Pastorais da Saúde (e nossas Pastorais da AIDS) como agentes prioritários na capilarização de toda essa Campanha. Elas deverão ser criadas em todos os rincões e fortalecidas onde já existem. E já vem com propostas bem claras para o SUS:

•Priorizar a atenção básica em relação aos outros níveis de atenção à saúde, fortalecendo as redes especializadas de atenção à saúde.
estudar uma forma de co-participação ou contribuição à saúde pública dos setores empresariais que usufruem ou estimulam hábitos inadequados à saúde
•criação, no Poder Judiciário, da ‘Vara da Saúde’, para atendimento especializado e eficaz neste segmento.
•estimular a ‘quarentena política’ (proibição de se candidatar, durante certo período, a cargos) aos gestores técnicos que deixarem o cargo, no governo.
A CNBB faz menção especial a crianças e idosos, trata de hábitos e todo tipo de contrapartida social e individual para a efetivação do Sistema, menciona a AIDS como uma de suas prioridades mas não toca no assunto prevenção a epidemias. Chamaram-me atenção as considerações sobre a dignidade de viver e morrer:

'•Antes de existir um direito à morte humana, há que ressaltar o direito de que a vida possa ter condições de ser conservada, preservada e desabrochada plenamente.
•Precisamos de sabedoria e ética samaritana para cuidar das pessoas que estão se aproximando do final de suas existências. O desafio ético é considerar a questão da dignidade no adeus à vida. É a obstinação terapêutica (distanásia) adiando o inevitável, que acrescenta mais sofrimento e vida quantitativa que qualidade de vida.'
Precisamos da mesma sabedoria e ética para cuidar das pessoas que estão se acotovelando nos postos de saúde e hospitais atrás de atendimento digno e integral. E também para cuidar de gestores e profissionais de saúde descomprometidos com a saúde pública. E que essa tal distanásia se transforme na dedicação esperada pelos padroeiros de todas as disciplinas envolvidas na atenção à saúde da comunidade.

Parabéns à CNBB por essa campanha que é a cara do Brasil.
Para que a Saúde se difunda sobre nosso país.
Amém.

Beto Volpe

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Nota da ABGLT sobre a homofobia governamental

Amigas e amigos, compartilho Nota de Repúdio da ABGLT.
Como diria o poeta, que maravilhsa seria se todos fossem iguais a vocês.

TODOS À MARCHA CONTRA A HOMOFOBIA !!!
DIA 16.05.12 EM BRASÍLIA !!!
Beto Volpe

Descrição da imagem: grupo de manifestantes tendo à sua frente uma bandeira de arco íris tarjada de preto com os dizeres 'homofobia mata!' e ao funto os edifícios paralelos da atual Igreja Nacional da Vontade de Deus, vulgo Congresso Nacional.

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – e organizações aliadas repudiam os cortes homofóbicos na campanha de prevenção de aids do Governo Federal


No dia 02 de fevereiro, no Rio de Janeiro, o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, lançou a campanha de prevenção à Aids do Carnaval 2012. Segundo informações do Ministério, a campanha seria direcionada, prioritariamente, para jovens gays, continuando o tema da campanha do Dia Mundial de Combate à Aids de 2011.

Tal iniciativa se justifica pelos elevados índices de infecção por HIV encontrados em jovens gays, de 15 a 24 anos. O Boletim Epidemiológico sobre a Aids, lançado no dia 28 de novembro de 2011, mostra que a epidemia tem crescido nessa população nos últimos anos. De 1998 a 2010, o percentual de casos na população heterossexual de 15 a 24 anos caiu 20,1%. Entre os gays da mesma faixa etária, no entanto, houve aumento de 10,1% (Fonte: Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde).

É importante observar que a Lei 8080/90 estabelece que os dados epidemiológicos devem ser utilizados pelo SUS -  Sistema Único de Saúde “para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática” (conforme Art. 7º, inciso VIII).

Segundo relatório do Programa das Nações Unidas sobre HIV e Aids - UNAIDS (2006), a epidemia e a resposta a ela mostraram uma relação direta entre a proteção da saúde e a proteção dos direitos humanos ou, inversamente, entre piores índices de saúde e violação dos direitos humanos. Nesse sentido, podemos entender como o cenário da homofobia no Brasil, apontado por diversas pesquisas ao longo dos últimos anos, tem estruturado a maior vulnerabilidade de jovens gays à epidemia de HIV/Aids.

Diversas diretrizes do UNAIDS apontam para necessidade de responder à epidemia de HIV com base nos dados epidemiológicos (direcionando as ações para as populações sob maior risco de infecção), entre elas pode-se citar o documento “Chegando a Zero: Estratégia para 2011 a 2015”, que faz as seguintes considerações, entre várias:

Programas de prevenção também permanecem inaceitavelmente deficientes para as pessoas sob maior risco de infecção, como as pessoas que usam drogas injetáveis, homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e profissionais do sexo femininos, masculinos e trans e seus clientes (p. 35, grifos nossos).

Não se pode mais negar que há normas sociais, sexuais e de gênero que são prejudicais e impulsionam a vulnerabilidade: a exclusão social de determinados grupos; a recusa em admitir a existência dos homens que fazem sexo com homens (p. 36, grifos nossos).

Ainda em junho de 2011, os Países-Membros das Nações Unidas, inclusive o Brasil, que foi aplaudido na ocasião, renovaram seus compromissos com o enfrentamento da epidemia, por meio de uma nova Declaração Política sobre HIV/Aids, que estabelece o ano de 2015 como prazo para a redução da transmissão sexual do HIV em 50 por cento (item 62). Também é pertinente a seguinte observação contida na Declaração:

29. Observamos que muitas estratégias nacionais de prevenção do HIV têm enfoque inadequado em populações que segundo as evidências epidemiológicas estão sob maior risco, especificamente os homens que fazem sexo com homens... (grifos nossos).

O Programa Brasileiro de Aids já foi considerado referência para o mundo, por ter se pautado pelo enfoque na promoção dos direitos humanos e na priorização das populações mais vulneráveis e mais afetadas pela infecção pelo HIV.

Hoje o Governo Federal responde ao crescimento alarmante do número de casos de homofobia com corte de recursos financeiros para as políticas da área. Os comitês e grupos de trabalho vêm sendo desmobilizados e pouco aproveitados. Os canais de interlocução existentes mostram-se ineficientes e improdutivos.

Nesse cenário, o Ministério da Saúde lançou, no dia 02 de fevereiro, a campanha de prevenção à Aids do Carnaval 2012. Press release enviado pelo Ministério informou que todo o material da campanha foi apresentado na ocasião. O mesmo foi divulgado dias antes, no site do próprio Departamento http://www.Aids.gov.br/pagina/2012/50791. A campanha, conforme divulgado, foi aprovada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM).

Entre as peças, três vídeos, com jovens gays, travestis e heterossexuais, respectivamente, fizeram parte dos materiais divulgados na ocasião. Em seguida, os vídeos foram retirados do ar. Também foram retirados da relação de materiais da campanha disponível no site do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais. Após diversos questionamentos, inclusive através do Ofício nº 018/2012 da ABGLT, o Ministério da Saúde informou que os vídeos foram retirados para edição e que seriam disponibilizados depois.

Posteriormente, em nova informação que contradizia o informe divulgado em 02 de fevereiro, o Ministério informou que os vídeos apresentados no lançamento da campanha não foram produzidos para divulgação em TV aberta, e que outro material seria produzido com essa finalidade. Esse novo vídeo seria apresentado no dia 12 de fevereiro.

O novo vídeo, já alvo de diversas críticas, traz dois jovens atores, um homem e uma mulher, informando dados estatísticos. Esse novo material prova que as políticas de saúde pública também se tornaram alvo da higienização moralista que vem ganhando espaço no Governo Federal, que se acovarda perante os ataques do fundamentalismo religioso que ameaçam diuturnamente a laicidade como princípio básico do Estado brasileiro. Organizações fundamentalistas se reivindicam como responsáveis pela retirada e pela substituição do material da campanha.

Diante desses fatos, o Governo optou por apresentar contradições ou silenciar-se. Tais atitudes são constantes em governos antidemocráticos, que não respeitam a sociedade nem a construção coletiva das políticas públicas. Omitir informações, negar e silenciar são práticas de governos conservadores, que não têm compromisso com os movimentos sociais.

A presidenta Dilma não recebe o Movimento LGBT, mas já recebeu duas vezes a bancada fundamentalista. Relembramos a afirmação que fez no discurso da posse: “Não haverá de minha parte e do meu governo discriminação, privilégios ou compadrio”.

Não queremos privilégios ou cargos. Queremos políticas publicas baseadas na Constituição Federal, que diz que todos e todas são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, assim como fez o Supremo Tribunal Federal, no dia 5 de maio de 2011, ao reconhecer a igualdade de direitos.

Se a campanha foi elaborada pelo Ministério da Saúde e aprovada pela SECOM, o que fez o Ministério da Saúde retirá-la do ar e elaborar novos materiais? Segundo o jornal Folha de São Paulo, em edição de 14 de fevereiro, o veto partiu da presidência da república.

A Presidenta Dilma Rousseff não veio a público se explicar sobre o caso.

O Ministério da Saúde não divulgou quem foi o responsável pela modificação da campanha e pelo veto ao material anterior.

A lealdade do Governo Federal com os religiosos fundamentalistas já havia levado levou ao veto dos materiais didáticos-pedagógicos do Projeto Escola sem Homofobia. Na ocasião, o veto ao material foi utilizado para barganhar a blindagem do Ministro Antônio Palocci. Quem está sendo blindado agora? Trata-se de novo acordo da Presidência da República com a bancada fundamentalista no Congresso Nacional? Desde então há um silêncio por parte das autoridades competentes.

Até hoje o material ainda não foi liberado, em nenhum formato. Pela liberação imediata dos materiais para combater a homofobia que assola nossas escolas! 

É urgente que as diretrizes para o combate à homofobia discutidas na II Conferência Nacional LGBT que ocorreu em dezembro de 2011 saiam do papel. Para isso, além de recursos orçamentários será necessária vontade política e empenho do Governo Federal.  Se a interferência das bancadas fundamentalistas religiosas se mantiver, será impossível avançar nas políticas públicas de promoção dos direitos LGBT.

Juntamo-nos aos diversos movimentos que questionam o tipo de governabilidade escolhido por esse governo. Que tipo de governo se pauta pela troca dos direitos de segmentos de sua população pelo apoio de fundamentalistas religiosos? Quantas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais brasileiros precisam morrer vitimizados  pela homofobia e pela aids para esse Governo entender que governar com a religião fere direitos constitucionais e a laicidade do Estado, além de elevar a violência contra populações vulnerabilizadas.

A maioria das lideranças do movimento LGBT organizado votou e trabalhou para a eleição da presidenta Dilma Rousseff, pela continuidade das políticas implementadas no governo Lula. Infelizmente, até agora, a expectativa de avanços tem sido frustrada.

A ABGLT, Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, expressa seu repúdio à homofobia institucional que vem se manifestando em determinadas ações do Governo Federal e convoca todas as entidades de direitos humanos, suas instituições afiliadas, organizadoras das mais de 200 Paradas do Orgulho LGBT a combater a homofobia no Brasil.

A ABGLT tomará as medidas necessárias para denunciar a influência do fundamentalismo religioso junto ao Governo Brasileiro. Recorreremos ao Ministério Público Federal, à Organização dos Estados Americanos e à Organização das Nações Unidas, principalmente o Conselho de Direitos Humanos, bem como outros organismos internacionais.

A ABGLT pede também para se manifestarem formalmente: o Conselho Nacional de Saúde; o Conselho Nacional LGBT; a Sociedade Brasileira de Infectologia; a Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis; a Comissão da Diversidade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; o Conselho Federal de Psicologia; o Conselho Federal de Serviço Social; a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT; a Frente Parlamentar Nacional em HIV/Aids; entre outros atores e atrizes do movimento social brasileiro.

Desde já convidamos todos e todas para participarem da III Marcha Contra Homofobia, em Brasília no dia 16 de maio, com o lema “Homofobia tem cura: educação e criminalização”, na frente do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação e do Palácio do Planalto. 

Como já disse um ex-ministro da saúde, “O Ministério da Saúde deve cuidar do corpo, e as Religiões da alma”.


14 de fevereiro de 2012

Assinam as 257 organizações afiliadas (lista baixo) da ABGLT - Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais


Primeiro vídeo:

Segundo vídeo:

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Homossexualidade e Religião

Pessoal, tenho grande prazer em compartilhar esse texto que embasa nossa argumentação nos embates com o Povo das Trevas.
Beto Volpe

Descrição da imagem: Bíblia de capa preta com crucifixo ao centro, com marcador de páginas nas cores do arco íris.

Argumentos Religiosos contra a Homossexualidade
por Prof. Dr. Daniel Helminiak  

Nenhum argumento religioso contra a homossexualidade sobrevive a uma análise crítica. Qualquer motivo religioso padrão não é mais do que ficção, fruto de convicções cegas. O "argumento" é somente uma preferência pessoal, uma posição apoiada por uma "escolha" e não por "argumentos racionais". A Religião é, assim, uma máscara usada para encobrir o preconceito.

A Bíblia NÃO condena a homossexualidade

As investigações científicas mais recentes demonstraram e denunciaram erros de tradução e de interpretação nas passagens que dizem respeito à homossexualidade. A maioria define claramente, como por exemplo em Ezequiel 16, 48-49 e no Livro da Sabedoria 9, 13-14, qual foi o pecado de Sodoma (Génesis 19): orgulho, ódio, abuso, dureza de coração. Sexo nunca é mencionado. Também o termo "não natural", por exemplo, que encontramos na Carta aos Romanos 1, 28-29 devia ter sido traduzido pelos termos "atípico" ou "não convencional". A Bíblia, se lida em coerência com os seus próprios termos e contexto, não apresenta nenhuma condenação explícita dos actos homossexuais. Ver D. A. Helminiak, What the Bible Really Says About Homossexuality, Alamo Press, 1994.

O Cristianismo NÃO se opôs sempre à homossexualidade

Até cerca de 1200, excepto no período por volta da altura da queda do Império Romano, a homossexualidade era, em geral, aceite na Europa cristã. No século VII, na Espanha Visigoda, uma série de seis conselhos nacionais da Igreja recusaram-se a apoiar a legislação do soberano contra actos homossexuais. No século IX códigos penais extensos por toda a Europa tratavam de questões sexuais detalhadamente, mas nenhum fora de Espanha proibía actos homossexuais. Pela altura da Alta Idade Média existia uma sub-cultura gay emergente e um corpo de literatura gay padrão estudada nas Universidades dirigidas pela Igreja. Ver J. Boswell em Christianity, Social Tolerance and Homosexuality, University Chigago Press, 1980.

Na prática da Igreja, procriação NÃO é essencial para ter relações sexuais

A filosofia estóica defendia que a concepção de bebés era a única razão eticamente aceitável para ter relações sexuais. O Cristianismo desde cedo incorporou esta noção na sua doutrina e algumas igrejas invocam-na para condenar a homossexualidade. Contudo, muitas destas igrejas permitem o uso de contraceptivos e permitem o casamento (e relações sexuais) entre casais que sabem serem estéreis ou entre casais que já ultrapassaram a idade para procriar. Até mesmo a Igreja Católica enfatizou recentemente a importância da união emocional e da partilha do amor como centrais para a intimidade sexual. Evidentemente, as igrejas não acreditam que a única e principal razão para a intimidade sexual é a procriação.

O argumento da "complementaridade" NÃO é coerente

Supostamente a complementaridade dos sexos é um requisição estabelecida por Deus para os relacionamentos sexuais. Mas a "masculinidade" e "feminilidade" são estereótipos. Na realidade, as características da personalidade das pessoas são mistas e abrangem tanto a esfera do masculino e como a esfera do feminino. Quaisquer duas pessoas, heterossexuais ou homossexuais, podem facilmente qualificar-se como complementares nalgumas características psicológicas, ou noutras. Deste modo, a complementaridade em questão só pode ser biológica. Ora, apelar à complementaridade é só uma maneira de dizer que só uma mulher e um homem podem partilhar a intimidade sexual. Logo, o verdadeiro argumento é este: as relações sexuais homossexuais são erradas porque sexo entre um homem e uma mulher é que está certo; casais homossexuais não podem partilhar nenhuma intimidade sexual porque não são heterossexuais. O argumento não explica nada, é circular, a verdadeira questão fica por responder. Indo um pouco mais longe, o argumento da complementaridade afirma que o único acto sexual permissível é a relação sexual entre pénis e vagina, mas não apresenta nenhuma razão para esta afirmação (na qual poucos acreditam, de qualquer modo).

A homossexualidade NÃO é uma doença

A Religião afirma que a homossexualidade é uma aberração em relação à ordem da criação de Deus. Contudo, a maioria das investigações científicas - zoológica, médica, psicológica, sociológica e antropológica - mostram que a homossexualidade é uma variante normal. Não só é prevalente em muitas espécies animais, como nos humanos a homossexualidade tem uma base biológica, é fixada no início da infância e presente em praticamente todas as culturas conhecidas. Não há nenhuma prova credível de que a orientação sexual pode - ou deve - ser modificada. A não ser que ser simplesmente homossexual em si venha a ser considerado como uma patologia com que se nasce, a ciência actual não é capaz de detectar nada de "doente" na homossexualidade e considera-a parte do mundo que Deus criou.

Os homossexuais NÃO são irreligiosos

Muitas pessoas condenam os homossexuais afirmando que são contra Deus e pecadores, mas os homossexuais cristãos contemporâneos reconhecem a sua auto-aceitação como fruto da graça de Deus. Eles testemunham que desde que "se assumiram" sentem-se mais felizes, mais saudáveis, mais produtivos, mais afectuosos, mais em paz, mais alegres e mais próximos das outras pessoas - e mais próximos de Deus. De acordo com o critério de Jesus "Pelos seus frutos os reconhecerás" (Mateus 7, 16) os homossexuais cristãos devem ser verdadeiros profetas do nosso tempo. Pelo contrário, colocar a tónica nos piores elementos e exemplos da comunidade homossexual - ou heterossexual - é uma maneira injusta de avaliar a questão.

*Traduzido por Rita P. Silva de "Religious Arguments Against Homosexuality" © Daniel Helminiak

http://www.rea.pt/religiao.html

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Eu tenho medo

Descrição da imagem: detalhe do quadro "O Grito" de Edvard Munch onde, em traços rápidos e desiguais, um ser humano em forma de ET trajando uma túnica preta leva as mãos à face em um grito de assombro.  

Pressão Nossa ---: Ministério da Saúde manda tirar do site vídeo com cena homossexual

Essa tuitada do pastor e deputado federal Marco Feliciano, do Partido Social Cristão por São Paulo, sacramenta o fim do estado laico no Brasil. O lobby religioso uma vez mais exigiu e neste carnaval a campanha de prevenção à AIDS não contará com a peça publicitária para o público homossexual, produzida justamente pelo preocupante recrudescimento da epidemia entre essa população. Esse fato vem logo após o governo vergonhosamente ceder a esse grupo conservador e suspender a distribuição dos kits anti homofobia, perpetuando os casos de bullying físico e psicológico contra os jovens gays e lésbicas nas escolas. 

Isso já havia sido anunciado na campanha eleitoral com a supressão de temas como aborto e união civil entre pessoas do mesmo sexo do programa de governo. Tudo em prol de uma coligação política que tende mais para uma inquisição moderna, que conseguiu unir os cristão das mais diversas religiões e é baseada no preconceito, preconizando a exclusão e o sofrimento para aqueles que não forem do povo de Deus.

Muito se faz neste mundo em nome do Pai. Em nome dEle são atirados aviões sobre vidas, são explodidas mulheres em meio a multidões, são executados homossexuais e outras pessoas que pensam ou agem de forma diferente das Escrituras. Em nome dEle o destino de 33 milhões de pessoas foi alterado, sendo que outros tantos o tiveram selado, pois não se pode usar ‘contraceptivos’. Em nome do Pai a eternidade no Paraíso pode ser garantida apenas mantendo em dia o carnê de mensalidades, não importando o quão execrável possa ser sua existência. Em nome dEle, homens ditos de Deus vociferam duras palavras contra os pederastas e sodomitas em pregações onde falta a única coisa que o Pai realmente quer que façamos nesse mundo: amar uns aos outros.

Quando se mistura Estado e religião não dá coisa boa. É só verificar ao redor do mundo e através da história e ver que os resultados são a rigidez da sociedade e um sistema político ditatorial, sempre em nome do Pai. Lembro de uma situação na clínica de fisioterapia onde faço meu tratamento, quando em conversa sobre esse tema com uma senhora evangélica ela posicionou-se, peremptoriamente:
- Quem assumir a presidência tem que governar com o 'povo de Deus' (evangélicos de forma geral).
Ao que eu rebati:
- E se um espírita assumir a presidência?
- ...... (silêncio)

Ditadura é assim, só e boa para os poucos que estão por cima da carne seca, como se costuma dizer. Eles controlam a informação e decretam a censura de tudo que não lhes convém. E nós deveríamos estar escolados sobre isso, saímos de uma há menos de trinta anos. Aproximadamente o mesmo tempo em que me tornei simpatizante do partido da presidenta, participando de almoços de carne seca com mandioca em escolas de periferia para construir um partido que lutaria por terra, trabalho e liberdade. 

Regina Duarte, durante a campanha presidencial de 2002, recebeu uma viúva Porcina de frente e alarmou o país:

- Eu tenho medo!

Sorte nossa que seus receios de desestabilização política e deterioração social se confirmaram infundados, o país entrou em uma era de crescimento e distribuição de renda, proporcionando todos os maravilhosos indicadores econômicos e alguns sociais bastante relevantes. Mas o preço para o desenvolvimento é a exclusão das diferenças? Seremos nós, pecadores, a pagar com nossa liberdade e nosso direito à informação pela governabilidade do país? Serão os jovens gays a pagar com sua exposição a uma doença fatal?

É, Regina... Agora eu também estou com medo.

Beto Volpe

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Jean Wyllys se pronuncia sobre a retirada de vídeo da campanha de prevenção à AIDS/DSTs pelo MS

Pessoal, mais um retrocesso na luta contra a AIDS é perpetrado pelo Ministério da Saúde. Alem da redução significativa dos recursos para a campanha de carnaval deste ano, que resultaram em duas peças publicitárias para TV, apenas a versão heterossexual irá ao ar. A propaganda dirigida ao público gay simplesmente foi vetada e será passada em locais selecionados. Parece, mesmo, que se depender da subserviência do atual governo às forças religiosas fundamentalistas estaremos condenados aos guetos e à desinformação.

Abaixo, manifestação do deputado federal Jean Wyllys
Beto Volpe.

Descrição da imagem: busto de homem trajando terno com a boca coberta por mordaça nas cores do arco íris.

No final do ano legislativo de 2011, ao receber notícia de que os recursos destinados à campanha do Ministério da Saúde para o Dia Mundial de Luta Contra a Aids teriam sido significativamente reduzidos, imediatamente contatei o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, solicitando esclarecimentos sobre as informações veiculadas na grande mídia, acompanhadas do detalhamento do orçamento do Ministério para políticas de prevenção às DST/Aids.

Apesar de meus esforços para conseguir uma audiência com o ministro, através de ofícios enviados ao seu gabinete, bem como mensagens trocadas de nossos perfis pessoais no Twitter, não fui recebido para ouvir os esclarecimentos solicitados. O ministro apenas destacou um assessor para falar comigo por telefone.
Não bastasse estas preocupantes informações – que foram  negadas através de ligação feita pelo assessor do Ministério da Saúde – o ministro Padilha determinou hoje, ao Programa de  DSTS/AIDS que retirasse, da página do Ministério na internet, o vídeo institucional com imagens de dois rapazes trocando carícias em uma boate. O filme, que seria exibido com parte da campanha de Carnaval de prevenção à AIDS em TV e na internet, agora passará a ser exibido apenas em espaços fechados frequentados por homossexuais, segundo denúncia feita pela imprensa.

Ora, se verdadeira a denúncia (e eu aguardo explicações por parte do Ministro; informações que solicitarei mais uma vez, por meio de requerimento de informação, previsto na Constituição Federal), trata-se de um nocivo equívoco, já que o próprio Ministério divulgou dados epidemiológicos apontando aumento da incidência de DSTs/AIDS em jovens homossexuais masculinos. O vídeo não deve estar restrito aos guetos gays, como propôs o Ministério, afinal, nós, LGBTs, não estamos restritos a guetos. Queira o ministro Padilha ou não, nós somos parte da sociedade: frequentamos as padarias, os postos de saúde, as academias, os bancos e os mesmos restaurantes em que os cidadãos e cidadãs heterossexuais freqüentam. E assistimos à mesma tevê aberta!

Não serei cúmplice dessa hipocrisia e homofobia mascarada. Cumprindo meu papel não somente de cidadão brasileiro homossexual e deputado federal que defende as causas, entre outras, de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (LGBT), mas, principalmente de fiscal do executivo, vou solicitar informações ao Ministério sobre a denúncia e expedir requerimento de informação sobre a Campanha de DST/AIDS ao ministro para saber a razão da suspensão de peça tão crucial para a saúde da juventude LGBT, justamente por ser ela o grupo vítima preferencial da epidemia de AIDS no momento. E o ministro terá de me responder, por ser sua obrigação prestar esclarecimento ao Legislativo sobre as políticas conduzidas pelo Executivo.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O medo do fim e o sentido da vida

Olá, pessoal.
Segue artigo inspirador do físico Marcelo Gleiser, publicado hoje na Folha.SP
Beto Volpe

Descrição da imagem: asteróide flamejante pela entrada na atmosfera da Terra, com a qual irá se chocar em instantes.

Será que o medo do fim do mundo reflete um temor de termos desperdiçado a vida apenas em trivialidades?

Para um cientista que gosta do seu trabalho, a busca pelo conhecimento sobre o mundo natural é uma fonte constante de inspiração (e de transpiração!). Os cálculos, o equipamento nos laboratórios e nos observatórios e os computadores são as ferramentas que dão estrutura ao conteúdo do seu trabalho, da mesma forma que a tela, as tintas e o pincel dão estrutura à arte do pintor. Escrevo isso porque recentemente li um artigo em um blog da "Revista de Negócios de Harvard" ("Harvard Business Review") em que o autor, Umair Haque, pergunta o que traz sentido à vida.

No mesmo dia em que li o artigo de Haque, ouvi uma palestra de Anthony Aveni, uma autoridade mundial em arqueoastronomia, especialista nos maias. O tema tratava da famosa "previsão" de que no dia 21 de dezembro de 2012 o calendário Maia acaba e, com ele, o mundo. Aveni demonstrou a falácia dessa história examinando a "evidência": uma simbologia que deve ser interpretada do mesmo modo que outros fins de calendário dos maias e de outras culturas.

Em termos de causas cósmicas, não há qualquer motivo para alarme. Alinhamentos planetários como o previsto para o fim do ano são irrelevantes e já ocorreram diversas vezes. Só como exemplo, as marés são causadas principalmente pela Lua e pelo Sol. O efeito de Vênus, o planeta mais próximo da Terra, sobre as marés é menor do que um milésimo de centímetro!

Mais interessante é a origem do medo apocalíptico e o modo como ele ocorre em diversas culturas. Isso já examinei no livro "O Fim da Terra e do Céu" (Cia das Letras, 2001). Aqui, voltamos ao ponto levantado por Haque. Será que o medo do fim reflete um temor de ter desperdiçado a vida? De que ao chegarmos ao fim da linha não teremos nada que nos fará olhar para trás com um senso de realização?

Haque foca seu artigo na busca por algo que dê sentido e valor à vida. Afirma que perdemos tempo demais com trivialidades e que, por isso, julgamos levar uma existência vazia. Deveríamos, sugere, investir mais em criar algo que sobreviva ao "teste do tempo". Para ele, o sentido da vida está no seu legado.

Somos criaturas limitadas pelo tempo, com um início e um fim. O medo do fim, ao menos em parte, vem da falta de controle sobre a passagem do tempo. Não sabemos quando o nosso fim pessoal chegará. Então tentamos manter nossa presença mesmo após não estarmos mais presentes fisicamente. Isso porque só deixaremos de existir quando formos esquecidos. (O que você sabe do seu tataravô ou de outro parente do passado distante?)

Não há nada de elitista nesse legado. Não precisa ser um Nobel, uma sinfonia ou um poema imortal. Ser devoto à família, criar uma receita que passa de geração em geração, melhorar a vida de alguém, inspirar estudantes, tudo dá sentido à vida. A dificuldade dessa discussão está na questão do valor. O que tem valor para mim pode não ter para você e vice-versa.

O que importa é o que se faz com a vida que se tem e não com a vida que um dia não vai existir mais. Se temos saúde, a coisa mais importante é a liberdade. Ser livre é poder escolher ao que se prender. Com apocalipse ou não, uma vida bem vivida será sempre curta demais. 

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".