Total de visualizações de página

Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Carta a Walcyr Carrasco


Descrição da imagem: logo da novela Amor à Vida.
 
 
Walcyr, boa noite.

Mesmo não acompanhando a atual novela das nove, tenho ouvido comentários de amigos nas redes sociais e gostaria de lhe parabenizar pela forma como está conduzindo a trama do Félix na novela e também por sua participação no Altas Horas. No entanto, o doutor Cesar Curi, personagem de Antonio Fagundes, pisou na bola e pisou feio. Ao proferir a palavra AIDÉTICO, referindo-se às pessoas vivendo com HIV, ele demonstrou profundo desconhecimento sobre o banimento dessa palavra há mais de quinze anos, por dois motivos. O primeiro é semântico, não se adjetiva siglas e AIDS é uma delas. O segundo é o cerne da questão e o motivo da não aceitação dessa palavra.

Ela coloca a doença em primeiro plano e não a pessoa que a adquiriu. Eu vivo com HIV (como pode ver, esse é um dos termos aceitos, pessoa vivendo com HIV) há 24 anos, há 17 desenvolvi AIDS e desenvolvi pacas. Fiz 23 cirurgias, tive três tumores com seus tratamentos (estou prestes a ter alta do mais recente), duas próteses de quadril, três AVCs e outras intercorrências menores. Ao mesmo tempo passei a integrar o movimento nacional de luta contra a AIDS, sou membro da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV (da qual fui por um breve tempo representante do estado de SP), fundei uma ONG juntamente com outras pessoas vivendo e, olha que coisa, até defender duas teses em saúde pública no STF eu fui! E isso não acontece somente comigo, muitas outras pessoas vivendo enfrentam e superam uma situação que parece ser muito maior que elas e muitas dessas ainda têm força para se organizar em defesa de um sistema de saúde que atende a toda a população brasileira. Aí eu pergunto: quem você acha que merece destaque, no que diz respeito ao tratamento pessoal: as pessoas ou a AIDS?

O fato de tamanha barbeiragem em termos de direitos humanos na área da saúde ter sido protagonizada por um médico agrava a situação, pois o povo brasileiro tem na classe médica uma das categorias profissionais merecedoras da maior confiança. Assim, não somente desconstrói todo um trabalho feito tanto pelas ONGs e redes, como pelas três esferas de poder público mas, especialmente, se torna uma afronta aos sentimentos das pessoas vivendo que seguem sua novela. Não tenha dúvidas que muitos corações ficaram bem apertados, não pelas emoções de sua trama, mas pela tristeza de ser rotulado bem em frente a sua família. Desejo, e hoje rezarei fortemente para isso, que nenhuma delas entre em depressão, pois geralmente sua associação com a AIDS resulta em óbito.

Palavras fazem bem ou mal, dependendo de seu uso. E algums delas podem matar. Tenho certeza que no meio artístico você deve ter tido muitas perdas de pessoas que sucumbiram não pela ação do vírus em si, mas pela tristeza de viver com uma doença que estigmatiza, degenera e exclui. E o uso dela na novela das nove representou uma grande tragédia para todos nós, não somente as pessoas vivendo, mas para todas as pessoas que se dedicam a enfrentar essa epidemia covarde. Como covarde é essa palavra.

Peço, entristecido e esperançoso, que isso seja reparado de alguma maneira na mesma novela, para que as mesmas pessoas tenham sua dignidade restabelecida e que a população em geral tenha noção do mal que o preconceito causa a qualquer pessoa. E desejo sucesso em seu trabalho atual, que ousa tirar assuntos tabu que insistem em permanecer debaixo do tapete.

Justamente o lugar para onde deve ser varrida essa palavra e todo tipo de preconceito.

Beto Volpe

4 comentários:

  1. Beto meu amigo , na globo não é raro ouvir esse tipo de referencia , já postei (n) mensagens de repudio em referencia a esse tipo de referencia a Ana Maria Braga é mestre de fazer esse tipo de referencia(aidetico) em seus comentários. Infelizmente a vénus platinada, dormiu no tempo, pau na Globo.

    ResponderExcluir
  2. Querido voce disse TUDO! Nao nos resta dizer mais nada.
    Parabens Beto, por nos representar e defender sempre.!
    Muitos xelinhosssss para vc.

    ResponderExcluir
  3. Confesso que ouvi a frase e fiquei chocada! Entendi que o personagem disse isso por ser conservador e hipócrita! Mas totalmente desnecessário! Adorei suas palavras!!! Não podemos deixar essa palavrinha escrota voltar!!! Parabéns!!!

    ResponderExcluir