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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



sábado, 17 de setembro de 2011

Palavra sem ação, Palavra vã.

Descrição da imagem:: a metrópole ao fundo, antecedida pelo Banhado composto de vegeração rasteira e árvores, em sua maioria de médio porte. 

Eu não sabia que em São José dos Campos, interior de SP, havia uma área de preservação ambiental deslumbrante em um grande baixio de nome Banhado, envolta pela cidade e um calçadão onde pessoas lancham, fazem caminhadas e devem namorar um bocado. Também desconhecia que a cidade abriga a única catedral do mundo dedicada a São Dimas, o bom ladrão, único santo canonizado por Jesus que lhe assegurou que estariam juntos no Paraíso naquele mesmo dia. Tem relíquia e tudo, um pedaço da cruz do próprio. Mas de uma coisa eu tinha certeza: seria muito bem acolhido nessa cidade quase tão antiga quanto a minha, quatrocentona. Retomar relações da infância e da juventude, provar sabores e aromas. Um detalhe fascinante da viagem, se é que se pode chamar de detalhe, foi  ficar em um hotel amplamente acessível, o Blue Tree local (sim, porque outros da mesma rede têm diversos obstáculos). Não costumo fazer merchan empresarial, mas acho legal divulgar um espaço onde a rampa é a regra e a escada fica lá no cantinho, contrapondo a lógica reinante. E o motivo principal de minha estada, duas conversas com as pessoas com HIV atendidos pela Nossa Casa da Acolhida, ONG que associa direitos humanos e espiritualidade como poucas vezes tive a oportunidade de ver.

Fazia bastante frio de manhã cedinho na rodoviária de São Vicente, de onde saiu o busão que me levou ao histórico Vale do Paraíba, onde fui recepcionado por meu grande amigo de infância, àquela época nerd igualzinho a mim, e sua família maravilhosa, incluindo três dogs chiquérrimos: Linda Evangelista, Mr. Beans e Mel Lisboa. Com direito a estolas e tudo! Artur da Távola tem toda razão ao afirmar que 'afinidade é retomar o encontro no ponto em que foi interrompido, não importando a distância e o tempo de separação'. A cada assunto que desfilava entre uma taça de vinho e uma criação de seu filho restaurateur (já ouviram falar em ovo à milanesa???) as tais afinidades ainda estavam lá. Concordando ou não os pontos de vista, a aceitação com o que vem do outro foi o tom presente até durante o jogo onde o timão de meu amigo perdeu. Após uma deliciosa noite de sono e um café em família a condução para o local do evento chegou e lá fomos nós.

Nesse traslado fui muito bem conduzido por Reinaldo MMA que me mostrou alguns aspectos da cidade, como o Banhado (que ainda terei oportunidade de conhecer melhor) e a Catedral de São Dimas. A história desse santo católico e as duas cruzes sobrepostas que compõem o seu símbolo me impressionaram tanto que não resisti e fui à missa das 19:30hs com meu xale dourado e tudo, para arrepios de algumas devotas.. Enfim, chegando à Casa da Acolhida fui recepcionado pelos meus contatos na instituição, Valdete e Alex, e por uma equipe de voluntárias e técnicas absolutamente diferenciada de quase tudo que vi até hoje. Uma sensação de minha casa que justifica a razão social. Ao ver o quadro de atividades semanais, afixado ao lado da cozinha de dona Rute, lá estava agendado: ESPIRITUALIDADE.

Na hora surgiu-me a imagem de Jodie Foster no filme Contato, quando ela perde a vaga para entrar em contato com os alienígenas por não crer em uma força superior, criadora e ordenadora do nosso Universo. Não que eu ache que seja absolutamente necessário, mas que facilita muito trabalhar transversalmente um sentimento que para muitos é o mais importante que existe, isso facilita. Os princípios de igualdade, solidariedade e ética são tratados muito antes da Declaração Universal da ONU. Vêm desde os Dez Mandamentos, a propósito, base de nosso código penal. Uma informação que obtive recentemente e que me deixou deslumbrado é o significado do crucifixo nos tribunais, acima do magistrado. Sempre pensei, não somos um país laico? Já que tem a cruz do Cristianismo, deveria ter uma estrela de Davi, a lua e estrela do Islamismo, os símbolos sagrados da Umbanda. Nada disso. Ela serve para lembrar ao juiz que, por conta de um colega seu haver se omitido em um julgamento difícil, foi perpetrada uma das maiores injustiças da história da humanidade. Fé e Cidadania, tudo a ver.

E, por fim, vieram as duas atividades, duas tardes que me encheram de energia com sala lotada e olhares sedentos de informações sobre Adesão ao Tratamento, tema que me foi solicitado e que adequei para Adesão à Vida. Quando se adere à vida, acertar as contas com o tratamento se torna consequência natural. E nessa toada foi falado um bocado de situações e sugestões, dentre elas a divulgação dos serviços da ONG, como assistência jurídica, atividades físicas e nutrição. Alguns momentos muito emocionantes no resgate das perdas que todos ali passamos em nossas vidas e também sobre o potencial de transformações positivas que é a infecção pelo vírus HIV. Ao final, chororô na bela homenagem que a mim foi prestada pela equipe da instituição.

Agora, o grande barato foi após o final da primeira atividade, quando conversando com Alex em sua sala, bate à porta a bela nutricionista que viera me agradecer pela fila de pessoas para agendamento de consulta, trazendo um belo indicador de que algo havia atingido pessoas que necessitam urgentemente se organizar politicamente. Para se ter uma idéia, o poder público local cortou os vales transporte das pessoas com HIV sob o argumento de que, por contrato, era obrigado a garantir a lucratividade da empresa permissionária. Ao mesmo tempo, foi auto concedido aumento de mais de 50% aos vereadores, que não necessitam de vale pois têm transporte oficial garantido. Força e Fé, pessoal da Casa da Acolhida! Assistidos, direção, voluntários e equipe de profissionais. Contem comigo quando quiserem. Já estou com os contatos da  Pousada da Dona Elvira, sua vizinha que imagino não seja a Pagã e muito menos a Rainha das Trevas.

Ainda há muito a me banhar na terra do Banhado e do Acolhimento.

Que Deus e São Dimas estejam sempre com vocês.
E que a Fé continue sendo um belo combustível para a Cidadania!
Beijos, já saudosos.
Carlucho & Family, tempo e separação nunca existiram! Loviul  au!

Beto Volpe

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