Amazônia, terra das águas, da ópera e das lágrimas. Lágrimas que banharam, além do meu, os rostos de boa parte da audiência presente à mesa de abertura do 5º Encontro Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/AIDS em Manaus. O representante dos jovens à mesa, o eloquente e gatíssimo José Rayan provocou lágrimas de orgulho, alegria e esperança que, ao invés de salgadas e com gosto de soro caseiro, corriam docemente como que promovendo um novo encontro das águas com o mesmo significado: Vida!
O dia de ontem foi bem agitado com a chegada de vários participantes de todo canto do país ao som de gritos e gritinhos, de saudades sendo apagadas. No meio da tarde pegamos um barco muito agradável onde a galera não parou de agitar, conversar, dar pinta no microfone até o momento mágico e esperado acontecer: o encontro das águas dos rios Negro e Solimões, um espetáculo emocionante que nos fez sentir cruzando uma fronteira natural, um portal sabe-se lá para onde. Clichê que sou, não resisti e entoei Ebony and Ivory (M. Jackson & P. McCartney) celebrando o momento. No retorno fomos surpreendidos por um evento raro por aqui, chuva forte. Era água por todo lado, parecia que a natureza estava dando sinais do que viria à noite.
Composta a mesa foi possível observar a diversidade e o comprometimento dos atores ali presentes. Eduardo Barbosa, representando o Departamento Nacional DST/AIDS e Hepatites Virais, deu o tom destacando o evento como um "momento ímpar" da história da luta contra a AIDS lembrando de ativistas como Bete Franco que participaram há muito tempo (neste nosso universo relativo) do processo de empoderamento dos adolescentes e jovens com HIV rumo à cidadania. Processo que pudemos observar durante o encontro da Rede Nacional de Pessoas com HIV realizado aqui mesmo, em Manaus, no ano de 2007. Sete jovens aqui estavam e já haviam dado pinta de que isso acabaria em Rede. A Rede Nacional de J&A Vivendo com HIV/AIDS, presente em toda sua maravilhosa diversidade cultural, étnica, de gênero e de amor.
Que também se emocionaram com a fala de Disney, representando o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, que nos enlevou com sua simples, delicada, forte e motivadora forma de lutar. A mesma comoção foi provocada pela representante do Ministério da Educação que, professora que é, externou sua felicidade em estar presente e que o evento significa na prática o que se espera fortalecer no ambiente escolar: "saber o significado do que é ir além". E não é possível deixar de destacar a aclamada presença de Fransérgio, conselheiro nacional da juventude, que chacoalhou a galera, incentivando o protagonismo e proatividade de jovens e adolescentes nos espaços de articulação, devidamente aparteado por Thiago, jovem de MG que frisou a importância de estimular e efetuar, além da ocupação, a qualificação de J&A sobre o funcionamento desses espaços para uma maior incidência política.
Mas o grande momento da noite foi mesmo a primeira fala da mesa. a de José Rayan. Havia muito tempo que alguém não me arrancava lágrimas tão densas pela esperança e pela fé renovadas em um futuro mais justo e harmonioso. A eloquência e propriedade com que ele discorreu sobre o histórico e papel da Rede, o carinho e delicadeza com que expressava sua preocupação com o bem estar de todos e todas e, principalmente, a força e indignação ao discorrer sobre problemas enfrentados para uma assistência integral citando, para matar de orgulho e paixão este pobre e modesto leonino, o episódio de desabastecimento de medicamentos do ano passado e o uso terapêutico das vuvuzelas na abertura do Congresso de Prevenção, considerado inadequado pelo então ministro e por alguns 'ativistas'.
Rayan, e quando eu digo Rayan digo para toda a Rede J&A, você tem toda razão ao dizer que o/a jovem que vive com HIV/AIDS não é somente isso, mas é um ser que trabalha, ama e deseja, que tem conflitos e esperanças. Esperanças mais do que fundadas, pois vocês têm características que podem transformar a acomodação que vivemos com relação à epidemia. A urgência e a indignação da juventude são a urgência e a indignação que precisamos retomar para combater a AIDS e garantir os direitos conquistados nos espaços de articulação. A apropriação dos recursos tecnológicos atuais que , a despeito do que pensam alguns seres pré históricos, são um espaço legítimo para se articular em rede e tomar decisões rápidas como o HIV faz. Em outras palavras, vocês são tão rápidos quanto as eternas mutações da epidemia de AIDS. E o poder, como você mencionou, de sinalizar um caminho mais eficiente para os demais segmentos do MOVAIDS, todos com eventos políticos durante este ano.
Esperança, vida, águas.
Obrigado, Amazônia, Obrigado, jovens e adolescentes vivendo com HIV/AIDS que estão me proporcionando, como disse Edu, um momento ímpar em minha vida. Momento de segurança, pois minha vida está em boas mãos. De que, doravante, as lágrimas terão o doce gosto da Vida e da Cidadania.
Beto Volpe
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