Há muito tempo se sabe que a AIDS caiu no esquecimento, tamanha a banalização
com que a epidemia é tratada pela população, mídia, investidores e,
especialmente, pelos gestores em Saúde e profissionais da medicina. Estes dois
últimos recaem no mesmo equívoco cometido com a tuberculose que, com a descoberta
de um tratamento eficaz em meados do século passado, foi negligenciada sob os
argumentos de que havia a cura e hoje já é a segunda causa de mortalidade em
alguns segmentos sociais. O mesmo acontece com a AIDS que, com a chegada do
coquetel, foi erroneamente rotulada como ‘doença crônica’, fazendo com que os
olhos do mundo se voltassem para as doenças auto imunes, como o câncer, em
detrimento das infecciosas. Os catorze casos de cura já obtidos e o acesso
universal aos medicamentos decretariam o fim da epidemia em dez anos, segundo
alguns especialistas.
No entanto, vários são os fatores sociais e comportamentais que contrapõem
essa afirmação. A disseminação de cepas virais resistentes aos medicamentos
conhecidos é um deles, sendo que em alguns municípios brasileiros ele já é
maioria nos recentes casos diagnosticados. Outro é a já citada banalização, que
leva os governos a deixarem de efetuar e apoiarem ações de prevenção e as
pessoas a abandonarem a prática do sexo seguro ou a fazerem perversas relações
de custo/benefício no uso da camisinha. Pesquisa recente demonstrou que 71% das
jovens não usa ou nunca usou a camisinha, ao passo que jovens gays têm 19 vezes
mais chances de se contaminar do que as demais populações.
Pois bem, a Organização Mundial de Saúde acaba de recomendar que homens
gays façam uso do coquetel como forma de prevenção ao HIV, estratégia que
reduziria em até 92% as chances de infecção. Pode até parecer uma atitude
preconceituosa para alguns, mas se trata de uma ideia interessante, desde que
conduzida de forma responsável. Só que a maior irresponsabilidade parte dos
próprios apoiadores dessa estratégia, pois se esquecem de que a redução é de
ATÉ 92%, e não 92%, o que a coloca em xeque. Falando em irresponsabilidade, o Brasil
tem colhido péssimos resultados no número de novos casos, estáveis em
perturbadores 36 mil ao ano, e assegura que tem feito de tudo para reduzir esse
patamar. Esse ‘tudo’ parece se resumir em ações irresponsáveis como testagem
para o HIV em ambientes festivos e a perspectiva de comercialização dos testes
em farmácias, sem qualquer apoio à pessoa que irá se submeter a ele, seja feito
em seu apartamento ou no alto de uma ponte.
É muito mais fácil negar todo conhecimento adquirido em revelação de
diagnóstico e acolhimento do que preparar decentemente a rede pública de saúde
para tal atividade. Como é muito mais prático fornecer medicamentos anti
retrovirais, com seus altos custos e severos efeitos colaterais, do que
reforçar o esclarecimento como forma de prevenção. Mentem os médicos ao dizerem
que a incidência de efeitos colaterais é baixíssima, a não ser que 26% das
pessoas em tratamento sofrerem de graves danos ósseos seja um dado irrelevante,
dentre outros envolvendo acidentes cardiovasculares, cânceres, problemas
renais, hepáticos e pulmonares. Assim como são ingênuos ao acreditar que uma
pessoa que não faz uso do preservativo regularmente irá tomar o coquetel de
forma adequada a não disseminar mais ainda as tais cepas resistentes.
As ONGs LGBT estão apoiando a iniciativa da OMS, mas não li nada sobre
ONGs AIDS ou redes de pessoas com HIV dando seu aval. Também, não nos
perguntaram e nem irão. O movimento está sucateado e não encontra forças para
fazer frente a uma gestão que tem apenas metas internacionais em seu campo de
visão, privilegiando a quantidade em detrimento da qualidade dos serviços. Enfim,
o tecnicismo sobrepôs o humanismo, afinal, ele nos dá as ferramentas
necessárias para impor o fim da epidemia em dez anos.
Sabem de nada, inocentes!
Beto Volpe
Excelente reflexão Beto Volpe. Parabéns.
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