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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



domingo, 2 de setembro de 2012

Forza, Zanardi!

Descrição da imagem: o atleta paralímpico em ação com seu triciclo de competição, lindamente trajado em cinza e branco e com o capacete nas cores da bandeira italiana..

Pessoal, esse pensa igualzinho a mim. Sempre digo que, quando à porta do Paraíso for questionado sobre a melhor coisa que rolou em minha vida, eu direi: ter contraído o HIV. Foi a forma da Vida me dizer qual o caminho a ser seguido. Forza, Zanardi!
Fora o belíssimo texto da Chris.
Beto Volpe


Sem limites, ex-piloto italiano de Fórmula 1 agora quer ser o Usain Bolt da Paraolimpíada
 
Christian Carvalho Cruz - O Estado de S.Paulo
 
A alegria de Alessandro Zanardi é um estorvo. Certamente não pra ele, amigos e parentes. É um estorvo pra você, pra mim, Deus, o diabo, qualquer um que esteja achando a vida uma merda porque lhe roubaram o rolex, porque não chove mais nesta cidade dos infernos, porque não vai dar pra bater a meta e encher o bolso de bônus, porque acabou o pó de café, porque o banheiro da firma fede como esgoto... A felicidade desse italiano duma figa, o jeito oblíquo e sincero de ele rir de tudo e pra todo mundo, é um grandíssimo estorvo. Bom, vocês conhecem o Zanardi. É aquele piloto de carros de corrida que perdeu as duas pernas num dos mais devastadores acidentes da história do automobilismo. Da esquerda lhe sobrou meia coxa. Da direita, a coxa inteira - sem o joelho. Na sexta-feira passada, falando de Londres, onde vai disputar provas de ciclismo na Paraolimpíada, ele se definiu assim: "Eu sou muito sortudo". E riu um monte. Repetiu isso diversas vezes, de variadas formas. "Não é exagero dizer que sou um cara sortudo." "Sou um homem de muita sorte." "Sou uma pessoa de sorte." Tá, tá bom, Zanardi. Eu entendi. Mas ele insistiu: "Sabe como eu cheguei aqui? Em 2001, numa prova de Fórmula Indy na Alemanha, meu carro partiu em dois. Numa parte ficou um pedaço de mim. Na outra estavam as minhas pernas, que, arrivederci, foram embora. E aí ganhei passagens para disputar estes Jogos Paraolímpicos em Londres. Mas antes daquele dia, se você me dissesse 'Alex, por que você não disputa uma Olimpíada?' eu te perguntaria 'Ei, o que você andou fumando?' Por isso eu digo: a vida me deu a chance de fazer tantas coisas surpreendentes nos últimos 11 anos que eu sou mesmo um cara de muita sorte".

E quer coisa mais surpreendente do que estrear numa Paraolimpíada justamente no autódromo onde conseguiu a primeira pole position e marcou os primeiros pontos na carreira de piloto? Foi em 1991 pela Fórmula 3000, nesse mesmo circuito de Brands Hatch que agora recebe os ciclistas paraolímpicos. Naquele ano, Zanardi ascendeu à Fórmula 1 para guiar uma Jordan. Passou também por Minardi, Lotus, Williams e dividiu o circo com Senna, Prost e companhia. Em cinco temporadas, disputou 41 corridas. Não venceu nenhumazinha, marcou um mísero ponto. Na Indy, ao contrário, ganhou dois campeonatos e uma porção de fãs. Então veio o 15 de setembro de 2001 no autódromo oval EuroSpeedway em Lausitz, Alemanha. Era um sábado meio cinzento e chegaram a cogitar o cancelamento da etapa por causa dos ataques às Torres Gêmeas em Nova York quatro dias antes. "Mas decidimos correr, que era a melhor maneira de reagir ao que tinha acontecido, seguir em frente, provar que a humanidade era mais forte que aquilo", Zanardi disse anos depois. Pra ele não estava sendo uma boa temporada. Na largada, era o 27º de 27 carros. Na metade da prova, porém, já tinha saltado para terceiro. "Pela primeira vez no ano eu senti o carro respondendo plenamente aos meus comandos." Faltando 13 voltas pro final, ele estava com tudo: era o primeiro e com folga. Tanta folga que entrou no derradeiro pit stop de reabastecimento podendo tranquilamente retornar à pista ainda na dianteira. "Vai, vai, vai!", gritou o seu mecânico-chefe ao liberar o carro em apenas 5,5 segundos. Tudo nos conformes. "Mas alguma coisa aconteceu, eu perdi o controle do carro e fui para a grama. Me vi girando desesperadamente o volante para retomar a direção, caí na pista novamente e buuum, um enorme barulho." O carro azul do canadense Alex Tagliani se chocara como um foguete a 320 km/h contra o bico do carro vermelho de Zanardi. 

Só para ilustrar, estar dentro de um carro que bate de frente a 320 km/h contra um muro significa que você tem 100% de risco de nunca saber o que aconteceu com seu corpo. No impacto, os órgãos continuarão a se mover em altíssima velocidade. E, no choque, seu pescoço se partirá. O cérebro se esmagará contra a parede frontal da caixa craniana. Os rins e o fígado explodirão instantaneamente. Tagliani não quebrou nenhuma costela porque seu carro se chocou contra uma área frágil do bólido de Zanardi, aquela onde se acomodam as pernas. A ausência de resistência minimizou a pancada e salvou a vida do canadense. Quanto a Zanardi, o pessoal do resgate demorou 19 segundos para chegar. Entre eles estava o ortopedista Terry Trammell, que narrou assim o que viu: "A primeira coisa que eu pensei em fazer foi aspirar aquele óleo todo de dentro do cockpit. Só que não era óleo. Era sangue". Trammell usou um cinto como torniquete e pelo rádio chamou o diretor médico da prova, Stephen Olvey. Seguiu-se um diálogo sem pontos de exclamação que só os médicos são capazes de travar numa hora dessas:

- Stephen, a situação aqui é muito ruim.
- Ruim quanto?
- As pernas dele se foram.
- Ok, você consegue pegá-las para nós tentarmos um implante?
- Você não entendeu. Elas se foram. Não existem mais.

Do momento do impacto à entrada no centro cirúrgico de um hospital em Berlim, a 190 quilômetros de distância, 59 minutos se passaram - 34 na viagem de helicóptero. Nesse tempo, Zanardi sofreu sete paradas cardíacas. Ao chegar, tinha perdido três quartos de seu sangue. "Meu coração devia estar bombeando ar, provavelmente", ele acha graça. E se você falar de milagre ou coisas assim, Zanardi tem a resposta pronta: "Ma che miracolo?! Foram aqueles caras que fizeram um trabalho espetacular pra salvar minha vida!"

Oito dias em coma, 20 cirurgias. Quando voltou a si, ele olhou pra baixo e voltou-se para a mulher, Daniela, que estava na beirada da cama: "Bom, agora preciso saber como eu vou fazer as minhas coisas sem as pernas". Não havia desespero no quarto. Por parte de nenhum dos dois. De Londres, Zanardi relembrou o que sentiu naquela hora: "Eu realmente não tive dúvida de que continuaria a fazer as coisas. Só queria saber como. Ao me ver sem as pernas entendi imediatamente que minha vida tinha mudado de direção. E também que nessa nova direção eu poderia fazer umas coisas bem interessantes. Sou um homem curioso, e a curiosidade move grandes paixões". Seis semanas de internação depois, ele deixou o hospital sentado em uma cadeira de rodas. Trazia um abacaxi sobre os pedaços de pernas que lhe restaram. Acenou para os fotógrafos e riu como se estivesse num pódio. Abacaxi era o seu apelido na Indy, dado pelos mecânicos que o achavam um ranheta que pedia demais, se importava com tudo, queria saber de tudo. Zanardi sempre foi um abacaxi nos boxes. 

Três meses depois ele já se levantava sobre suas novas próteses para receber o prêmio Capacete de Ouro ofertado pela revista Autosprint. Aplaudido de pé por minutos a fio, pegou o microfone e a primeira coisa que lhe saiu da boca, além do infalível sorriso, foi: "Estou tão emocionado que minhas pernas tremem inteiras". Dois anos mais tarde voltou ao EuroSpeedway a bordo de um carro igualzinho ao do dia fatídico, mas adaptado para ser acelerado e freado com as mãos, a fim de completar as 13 voltas que ficaram faltando em 2001. Circulou forte a 314 km/h e, se não fosse só uma corrida simbólica, seu tempo o colocaria em quinto lugar no grid de 2003. O mundo quis saber por que cazzo se arriscava de novo. "Ora, não é porque não tenho as pernas que sou mais vulnerável que o Schumacher." Mais dois anos e lá estava o italiano competindo de novo. Sentado dentro de uma BMW fuçada, venceu quatro corridas no Campeonato Mundial de Turismo e 11 no Italiano. Acelerava manualmente por meio de uma barra instalada atrás do volante e freava com o pé da prótese direita. A expressão "pisar fundo" tinha, definitivamente, ganhado outro sentido pra ele. Um sentido do qual nunca gostara. Zanardi começou no automobilismo aos 14 anos ao ganhar um cart do pai. O velho Zanardi, que não teve tempo de ver "a sorte" do filho, achou que seria mais seguro o menino voar baixo num circuito com um veículo apropriado do que nas ruas de Bolonha com uma lambreta.

E na quarta-feira lá estará o Abacaxi, aos 45 anos, voando bem baixinho mais uma vez. Zanardi agora corre de handbike, um triciclo rente ao chão que se pedala com as mãos. Sentou num desses pela primeira vez em 2007, por sugestão de um amigo, para se exercitar. Gostou. E com poucas semanas de treino se jogou na Maratona de Nova York. Terminou em quarto. Em Londres Zanardi disputará três provas:
Contra o cronômetro. De minuto em minuto um atleta parte para completar duas voltas no circuito. Quem fizer o menor tempo, vence. "É a mais dura, porque, embora não muito longa (15,8 quilômetros), são 25 minutos de inferno, de esforço máximo."
Estrada. Todos partem juntos para dar oito voltas (64,5 quilômetros). Vence quem cruzar a linha de chegada primeiro.
Revezamento. Cada país forma uma equipe de três atletas de categorias diferentes. O time italiano correrá com Zanardi, que é paraciclista H4 (acomoda-se sentado no cockpit e usa a força do tronco, além da dos braços, para movimentar o triciclo), e dois H2 (lesão na coluna; correm deitados, utilizando somente os braços).

Zanardi diz que se preparou bem e não seria nada demais pra ele se, tal qual um Usain Bolt, faturasse três medalhas de ouro. "Sou muito forte, principalmente na prova contra o cronômetro, da qual sou campeão mundial de 2011. No último ano eu calculo ter rodado 18 mil quilômetros em competições e treinos." Num trecho desses, mês passado, foi surpreendido por um buraco na estrada quando estava a mais de 60 km/h. A roda da frente travou e ele foi parar dentro do canal que margeava a pista. Do triciclo, quase nada inteiro sobrou. Três dias depois, só o tempo de conseguir um veículo novo, já estava treinando duro outra vez. Nesses dias londrinos, enquanto não chega a hora de competir, Zanardi acha que está emocionado e curioso. Emocionado por concluir mais uma etapa que o destino lhe botou na frente. E curioso para saber o que virá depois. Andaram dizendo que ele pode participar das 500 Milhas de Indianapolis, a prova mais tradicional da Indy, e que também já está de olho nas Paraolimpíadas de Inverno de 2014, na qual deslizaria montanha abaixo trepado num monoesqui. "Tudo coisas que me colocaram na boca. Eu não disse nada disso, embora esteja aberto a qualquer possibilidade, inclusive ir para a minha casa na praia e passar os dias pescando com meu filho Niccolò, de 14 anos. O que tenho certeza é que, encerrados os Jogos de Londres, eu vou me afogar em cerveja, que não bebo há dois anos, desde que comecei a me preparar para estar aqui." Va bene, Zanardi. Arrivederci.

Nada. Ele quer deixar claro o tamanho da sua sorte e da sua felicidade: "Se Deus aparecesse agora na minha frente e me dissesse 'Alex, eu posso mudar o dia do acidente. Posso fazer com que o Tagliani desvie e não atinja seu carro. Você teria as suas pernas, mas não saberia como seriam esses últimos 11 anos da sua vida. Aceita a troca?', eu teria apenas três palavras pra ele: "No. Grazie, Dio".

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