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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Deus e o Diabo na Terra das ONGs

Descrição da imagem: foto em preto e branco de cangaceiro dentro de um círculo formado por caios de sol amarelos estilizados sobre fundo vermelho.
 
 
Que o Brasil é um país de contrastes, não é novidade para ninguém. A convivência entre Deus e o Diabo em nossa sociedade é tão evidente quanto o côncavo e convexo de Niemeyer em nosso Congresso Nacional, igualmente recheado de antagonismos e em cujas mãos está o futuro das ONGs de nosso país. Não daquelas que vivem aparecendo nos noticiários policiais em escândalos envolvendo milhões de reais desviados em nome de uma nobre causa e que normalmente têm ligação com algum político ou seu agregado. Mas, sim, o destino das muitas associações surgidas de necessidades comunitárias, pelas mãos da própria comunidade e que tem como objeto a solução de um problema da mesma comunidade que a originou, como reza a cartilha democrática.
 
Democracia que, segundo Rui Barbosa em sua Oração aos Moços, só existirá se houver um tratamento desigual aos desiguais na medida em que se desigualam. E, por incrível que pareça, ou não, ambas as modalidades de ONGs acima citadas são tratadas como iguais pelo Estado, ao contrário do praticado junto ao setor privado, por exemplo, que tem regras e políticas próprias para o grande, e médio e o micro empresário. Instituições que sobrevivem com parcos recursos de bingos, rifas, algumas com convênios e projetos junto a órgãos públicos que raramente ultrapassam os cinco dígitos têm os mesmos trâmites burocráticos e rigor na fiscalização que aquelas cujas práticas nunca condizem com suas missões cheias de boas intenções. Ou melhor, antes fosse, ou não veríamos com indesejável frequência os tais escândalos que fizeram com que o ex ministro Aldo Rebelo nos jogasse a todos no balaio da corrupção, classificando-nos como 'essas ONGs'.
 
'Essas ONGs' são em sua grande maioria instituições sérias, mesmo com a pouca qualificação administrativa de suas direções pois, como já dito, são pessoas que perceberam um problema, viram que o Estado não estava tendo competência para solucioná-lo e acabaram arregaçando as mangas para cumprir seu papel de cidadãos. Cidadãos que hoje, em muito graças a comentários desastrosos como esse, estão tendo seus nomes protestados por conta da inadimplência e fechamento de suas instituições. As ONGs de pequeno porte, dentre as quais está a maioria das que atuam na luta contra a AIDS, não conseguem mais cumprir a contento sua missão original por estarem atoladas em formulários e certidões, taxas e tarifas, editais e licitações. Há que ter um novo marco regulatório, onde as associações comunitárias tenham um tratamento desigual, para que seja promovida uma igualdade de condições de financiamento e de monitoramento.
 
A imprensa noticiou hoje que a Casa Civil acaba de encaminhar à presidenta Dilma o texto de um projeto de lei para regulamentar o setor, elaborado por especialistas no assunto, incluindo representações de ONGs. Claro, o destaque está sendo dado à faxina a ser promovida pela exigência de ficha limpa de seus dirigentes, assim como para com os políticos. Lógico que essa é uma medida salutar e merece destaque, mesmo porque está se tratando de bem público. Mas nada se falou sobre essa distinção pretendida no tratamento a diferentes tipos de instituições. As associações comunitárias são a base do que resta do controle social de políticas públicas. Normalmente são elas que participam de conselhos de direitos, sejam eles da criança e adolescente, da saúde ou da terceira idade e que se esforçam para promover avanços sociais, se na prática as coisas são diferentes é porque a correlação de forças nesses espaços também é desigual, ainda que paritária.
 
É preciso diferenciar Deus e o Diabo nessa história toda, mesmo porque o último tem como principal recurso comportar-se como o primeiro. Não é possível que esse marco regulatório que pretende dar transparência e eficiência às ONGs não inclua as pequenas associações e considere suas peculiaridades. Sob pena de virarem realidade as palavras de Cego Guido a Antônio das Mortes, no brilhante filme de Glauber Rocha:
 
"Um dia vai ter uma guerra maior nesse sertão. Uma guerra grande, sem a cegueira de Deus e o Diabo."
 
Beto Volpe

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