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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Viva a Vida



Pessoal, reproduzo belíssima homenagem do jornalista Liandro Lindner à ativista Sandra Perin, do Rio Grande do Sul, falecida semana passada em um acidente automobilístico.
Nossa saudade e nosso respeito a Sandra Perin.
Beto Volpe

Trajando preto, com olhar aguçado e um tanto desconfiado (qualidades essenciais de uma ativista) Sandra observa atentamente a fala de alguém e, pelo jeito, não estava gostando muito do que ouvia...


A expressão criada por Herbert Daniel era tradicional no final de suas falas e escritos. Mais do que uma combinação de quatro letras em duas palavras, o lema carrega um significado muito grande: apesar das dificuldades queremos viver, queremos vida e não vida ordinária, mas vida de qualidade. Foi c om esta expressão emblemática que Sandra encerrou sua fala no Seminário de Controle Social que o GAPA promoveu sábado, pouco tempo antes de embarcar para Erechim onde ia comemorar seu aniversário. Foi sua última participação numa atividade deste porte: reivindicatório, denunciador, organizador e acima de tudo de valorização da vida. E desta forma que ela se despediu naquele dia e, sem saber, da militância e da vida algumas horas depois. 

Ao longo de mais de vinte anos nos acostumamos com a presença da Sandra em nossa casa, na Cidade Baixa. Foram reuniões, capacitações, conversas, brigas, momentos de dor, sorrisos e lágrimas. Quantas vezes ela subia com dificuldade as escadas, sentava em frente a um computador e de sua dedicação surgiam projetos bem construídos ou prestações de contas elaboradas com cuidado. Sandra ocupou várias funções no GAPA, de administração, representação política, formação, decisão e de funções técnicas entre outras. Mas a que certamente mais a envolveu foi o acolhimento e aconselhamento. Ao longo do tempo centenas de pessoas foram atendidas por ela dividindo suas angústias e recebendo consolo, ouvidas com atenção e aconselhadas com cuidado, formando um ambiente de convivência e cumplicidade. Foi assim nos plantões pessoais, nos atendimentos psi, no projeto Buddy e até no contato com os companheiros de diretoria e voluntariado. Ouvir era um de seus principais traços e talvez a principal de suas peculiaridades. Mas Sandra não ficava somente nisto, juntando o sangue italiano com as características dos librianos fazia balançar os pratos da balança quando era preciso gritar por atenção a saúde pública ou brigar em favor dos direitos humanos. Um leão que rugia alto, mas que também acalentava, bem sintonizado com o leão de São Jerônimo, santo do seu dia de nascimento.

Nestes anos todo o GAPA se tornou uma extensão do lar de Sandra, e de sua própria vida, primeiro dividia o tempo com o trabalho nos presídios, depois da aposentadoria o tempo dedicado ficou maior. Era no GAPA que ela passava grande parte do tempo. Olhava atenta a transformação que a entidade passava, os usuários que continuavam batendo a porta, o desanimo que às vezes abatia os voluntários e principalmente os desafios que cresciam. Tendo o GAPA como parte de sua própria história pessoal sua preocupação grande era com a hipótese de fechamento da entidade, principalmente com o quadro adverso que a maioria das ONGs do Brasil hoje atravessa. Nem sempre suas posições eram compreendidas e brotavam discussões e caras feias, mas isto não impedia que o comprometimento maior fosse cumprido e que logo a rotina de atividades acabava por fechar as cicatrizes.

Era também no mesmo ambiente, nas salas do GAPA, que Sandra matutava sobre sua vida. Várias vezes nós a víamos falando sobre carências e carinhos, sobre desilusões amorosas, sobre conhecimentos e vontades e principalmente sobre desejos de um amor pleno. Já passando dos 50 Sandra conservava uma ingenuidade de menina quando o assunto era amor, diferente de muitos de nós incrédulos pelas experiências difíceis já vividas. E foi dentro de uma destas salas que ela foi contando devagar e depois com emoção crescente a retomada de um namoro de adolescência. Aos poucos seus sorrisos adquiriram um tom mais forte e ela queria dividir isto com todos os amigos, até que num impulso de entusiasmo relatou num longo e-mail que estava vivendo o amor da sua vida e retomando um rumo que ficou no passado há muitos anos.

Sandra estava feliz e continuava na luta. 

O somatório de suas vivências ao longo dos anos foi formando uma personalidade múltipla. O convívio no teatro atuando e produzindo abriram as portas da percepção para a diversidade do mundo, das pessoas, dos costumes. A militância partidária, de forma orgânica e engajada, a levaram a estudos profundos e envolvimento aguerrido como o partidão pedia naquela época. Após a formatura em psicologia e a o ingresso no Estado num concurso público, se tornou referência nacional na prevenção da Aids junto aos detentos do sistema carcerário gaúcho. Foi através de seu trabalho que se aproximou do GAPA acabando por consolidar a união do seu conhecimento técnico com a militância que os anos 90 tanto exigiam. As dificuldades de saúde enfrentadas por ela foram talvez os momentos mais tensos vividos, exigiam disciplina e força de vontade e não foram poucas as ocasiões em que ela se debateu em angústias enfrentando as limitações que encarava. Mas mesmo assim não temeu e continuou até o final seus processos logrando êxito em todos eles, causando a olhos vistos também uma importante mudança no seu perfil psicológico e no seu jeito de conviver.

Ativistas de todo o Brasil acostumaram com sua presença nos eventos e nas discussões. Os conselheiros que a acompanharam nestes espaços de controle social admiravam sua presença forte, muitos não entendendo como uma pessoa que não era soropositiva tinha tanto ardor na defesa desta população. Os participantes de suas diversas oficinas e capacitações aprenderam sobre solidariedade através de seus relatos e oportunidades de reflexão. Os companheiros de ativismo lembram suas colocações reivindicatórias na luta pelo controle da Aids, da tuberculose, da hepatites virais, das co-infecções, dos moradores de rua, usuários de drogas, na luta por vacinas Anti-HIV e tantas outras. Em cada canto da luta por saúde pública neste país há um pouco de Sandra Perin e em cada um de nós uma centelha do seu entusiasmo reside como teimosia, que nos faz não desistir mesmo diante de realidades complicadas.

Sua morte, no dia do seu aniversário, encerrando um ciclo da passagem terrena nos surpreendeu e emocionou. Primeiro pela forma com que ocorreu: imprevisível, incalculável, inesperada, quase como um susto destes que se quer sempre evitar. Depois por seu fim ter chegado no ápice de um ótimo momento de sua vida em que amava e era amada e estava colhendo os frutos de dedicação profissional, familiar e de amizades. Os mistérios da vida e da morte que não sabemos responder, restando apenas à certeza de que Sandra estava feliz quando encerrou sua jornada.

Mesmo diante da morte a luta dos teimosos não deve se abalar. Inspirados no exemplo de Sandra que venceu barreiras pessoais e ajudou a derrotar dificuldades institucionais, estamos todos tentando superar sua perda e continuar o caminho que ela ajudou a construir. Não somos super heróis, a dor da perda nos consome, a realidade da morte nos toca, a finitude humana inesperada nos revolta, o descaso público e a insensatez humana nos agride. Mas acima de tudo sempre lembraremos de Sandra resumindo nossa luta na expressão que ela usou em sua última fala em público, acima do adeus e além dos muros a derrubar queremos viver e oferecer o melhor, por isto sempre repetiremos com ela “ Viva a Vida” 

Liandro Lindner, outubro de 2012


3 comentários:

  1. Simplesmente merecedor de aplausos repetitivos!!! Parabéns pelo texto Liandro,apesar de não conhece-la, Sandra com certeza é um exemplo de mulher, de guerreira.

    WM

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  2. nem consegui terminar de ler pois comecei a chorar lembrando do abraço (literalmente) fofo e acolhedor desta pessoa amada que tivemos o prazer e a honra de conhecer e amar. que saudades, e que a vida seja linda e boa de ser vivida. bjs sandroca

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  3. VOVÓ SANDRA querida, neste dia 27dez2012 em que completamos 2 anos de nosso reencontro, reiniciando nosso lindo e romântico namoro, te apresento, AQUILES, teu neto também! Beijos, te amo para sempre, Auri PARABÉNS, Liandro Lindner e CargaViral pela linda homenagem à amada Sandra. FELIZ ANO NOVO, 2013 bom com ótima e perene saúde a todos! Abraço, Auri Rommel

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