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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O Brasil e os compromissos internacionais em AIDS



Pessoal, aquilo que o governo federal arquitetava há alguns anos finalmente virou realidade. Uma realidade aterrorizante, tamanha a banalização com que a AIDS é tratada e que certamente provocará muitas mortes em nosso país. Descentralização da assistência em HIV para as UBSs, pulverização dos recursos destinados à AIDS e acumulados anos a fio pelos secretários estaduais e municipais de saúde, fim da política de incentivo, fechamento de ONGs e o desmonte das estratégias de enfrentamento à epidemia. São muitos e terríveis os desafios que se tornaram presentes e urge que o movimento social em AIDS e a sociedade civil organizada em todos os setores se mobilizem para atenuar o máximo possível os danos desse genocídio disfarçado de efetivação dos princípios do SUS. Retomemos a luta, companheiros, pois os tempos sombrios estão de volta. Reproduzo excelente artigo do coordenador do UNAIDS no Brasil, Dr. Pedro Chequer. Em outras palavras, não somos só nós, membros da sociedade civil, que estamos desesperados. A ONU também demonstra claramente sua preocupação.
Beto Volpe

Descrição da foto: rosto de homem que grita em desespero com os dentes à mostra, dentro de sua boca é reproduzido o grito e dentro da boca novamente a cena e assim por diante, num desespero sem fim.

O Brasil e os compromissos internacionais em AIDS

O Sistema Único de Saude, estabelecido com base na Constituição de 1988, que define a saúde como um direito do cidadão e dever do Estado e tem seu marco de regulamentação na Lei 8080/1990 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e define sua estrutura política e atribuições de seus diversos níveis, sem dúvida alguma foi o arcabouço que permitiu ao Brasil estabelecer com qualidade e competência o programa de acesso ao tratamento da infecção pelo HIV e da aids. Os primeiros passos de sua implantação em 1996, sem qualquer dúvida, não teria sido possível sem os princípios e estrutura dos SUS. Devemos ter claro, todavia, que apesar do princípio constitucional do direito à saude, a operacionalização desse direito nas mais diversas áreas da saúde, em que pese os avanços obtidos, ainda apresenta importantes lacunas e carece de mecanismos mais consistentes para sua efetivação plena. A garantia, por exemplo, do acesso gratuito aos antirretrovirais só foi possível em sua plenitude, por intermédio da Lei 9313/96, projeto de autoria do Senador Jose Sarney, aprovado pelo Senado Federal e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar das restrições de caráter econômico trazidas à discussão por determinados setores do próprio Governo. A existência do SUS e a garantia constitucional, ainda que necessárias, não seriam suficientes para assegurar esse direito - Haja vista uma série de problemas de saúde que enfrentam obstáculos para seu atendimento segundo os parâmetros do acesso universal por direito constitucional e como dever do Estado.

O estabelecimento do tratamento antirretroviral gratuito, sobre o qual não pretendemos aprofundar a discussão nesta reflexão, teve sua origem na pressão social e na fundamentação científica, ao que se soma a sensibilidade política que fez converter um anseio social legítimo em uma prática do Estado; esta pratica de modo ininterrupto, tem se mantido, independentemente de seu custo financeiro, ainda que apresente custo-benefício inquestionável – uma fonte de poupança de recurso público, tanto no campo da saude como da previdência, sem entrar no mérito de aspectos outros de relevância extrema.

Ao longo desse período, a aquisição dos medicamentos destinados a aids permaneceu centralizada - decisão estabelecida em 1996 e que tem representado importante fator de economicidade e garantia de um abastecimento continuado. Ao lado desse parâmetro normativo, estabeleceu-se, também, que a aquisição de medicamentos para agravos associados à infecção pelo HIV seria de responsabilidade de estados e municípios; lamentavelmente, apesar da pactuação estabelecida, seu pleno cumprimento, com honrosas exceções, tem apresentado importantes lacunas de implementação.  Ao tempo em que se manteve centralizada a aquisição de antirretrovirais, outros aportes do governo federal foram descentralizados, entre eles, parte dos recursos destinados ao enfrentamento da epidemia da aids. “Instituída em dezembro de 2002, a Política de Incentivo consiste em financiar Unidades Prestadoras de Serviço, por meio de mecanismos regulares do SUS. É a transferência fundo a fundo - repasse regular e programado de recursos diretamente do Fundo Nacional de Saúde para estados e municípios, independentemente de convênio ou instrumento similar”, é o que reza o Portal do Departamento de Aids, de modo bastante didático e objetivo.

Esta nova estratégia, correta do ponto de vista político e da necessidade de maior autonomia a estados e municípios, substituindo a antiga modalidade de convênios, esbarrou-se na dificuldade da utilização dos recursos em tempo oportuno, chegando em algumas situações a níveis inaceitáveis do pondo de vista do uso adequado do recurso público, quando se constata acúmulo de anos em recursos financeiros depositados nas contas bancárias sem a utilização em tempo hábil, não pela inexistência de planos e programas para sua execução ou mobilização da equipe técnica, mas pela dificuldade da burocracia e baixo nível de priorização política, obstáculos que, com raras exceções, também se acumularam e se agravaram ao longo do tempo. 

Preocupa-nos recentes informações sobre a pulverização do recurso destinado a aids  decorrente da política de incentivo e acumulado até dezembro de 2011. De modo algum entendemos como aceitável do ponto de vista ético, a existência de recursos sem utilização quando as necessidades são prementes e se agravam tanto na área de assistência, quanto de prevenção, e particularmente nesta. Aí estão também incluídos os recursos destinados às organizações da sociedade civil, que por todo o país fecham as portas, mesmo as mais tradicionais, pela carência de recursos para seu funcionamento.

Vale registrar que a descentralização também incluiu o aporte de recursos ao movimento social para suas ações em caráter complementar e de apoio as ações do Estado, em diversas áreas onde somente ele é capaz de atuar com competência, estabelecendo ambiente de adequado acolhimento, além do exercício essencial de controle social, indispensável num regime democrático e transparente.

Diante da inadmissibilidade da situação atual, uma medida de caráter político poderia ter sido tomada, como por exemplo, o estabelecimento de parâmetros administrativos que viabilizassem a utilização do recurso por estados e municípios segundo as Programações de Ações e Metas aprovadas pelos conselhos municipais e estaduais com a celeridade necessária e utilização da medida que ora se anuncia em caso de inadimplência num determinado período a ser consensuado.

Preocupa-nos mais ainda, que ao lado dessa medida, outra poderá ser adotada: a interrupção do incentivo destinado a aids a partir de janeiro de 2014. Esta medida certamente reflete o caráter de prioridade que progressivamente vem o Brasil dando ao controle da epidemia, que passa cada vez mais a ser visto como mais um problema de saúde pública, no entendimento de que os avanços obtidos são suficientes; esta percepção contraria de modo concreto o entendimento que se tem sobre a urgente necessidade de rever e ampliar estratégias de ação tendo em vista as grandes lacunas observadas, às quais se somam a inequidade regional: a epidemia continua crescendo no Norte e Nordeste do país, do ponto de vista de sua incidência e taxas de mortalidade específica e a região Sul apresenta situação epidemiológica preocupante.

Revendo os compromissos assumidos pelo Brasil nas Assembleias Gerais das Nações Unidas e particularmente na última Assembleia, este seria o momento de se redobrar esforços e alocar mais recursos específicos com vistas a garantir o cumprimento da meta de acesso universal ao tratamento, prevenção e cuidados até 2015, ao que se somariam, obviamente, medidas que garantissem a celeridade e pertinência da aplicação dos recursos.

Em que pese os avanços, o Brasil não se encontra entre os países considerados de cobertura universal, segundo o último relatório da OMS/UNAIDS, em função do grande numero de cidadãos soropositivos para o HIV que, por não terem sido diagnosticados, desconhecem seu status e não estão sob tratamento.

Apesar do entendimento distinto, talvez por equívoco conceitual, também o acesso não é universal. Suficiente visitar o semiárido nordestino e a região Norte do país (e não apenas estes) para se constatar a carência de serviços que possibilitem o acesso a testagem e tratamento antirretroviral. Ora, se não há testagem ou disponibilidade local de medicamento ou se encontram a dias de viagem para que se possa aceder aos serviços, não podemos considera-los como acessíveis.  Todavia, em função de políticas públicas que anteriormente registramos, a disponibilidade de medicamentos tem sido assegurada pelo Ministério da Saúde em sua integralidade do ponto de vista orçamentário e logístico, com avanços excepcionais nos últimos doze meses no que concerne a continuidade no seu suprimento, sem registro de qualquer interrupção. 

Devemos ter claro que para cumprir os compromissos internacionalmente firmados pelo Brasil, o adequado aporte de recursos e sua utilização em prioridades epidemiologicamente estabelecidas é aspecto essencial a ser observado; a isto se deve somar a construção de estratégias inovadoras e mobilizadoras em âmbito nacional,  que envolvam os níveis políticos decisórios em todas instancias pertinentes e se repliquem em cada nível de governo de modo a ser implementado segundo a realidade local da epidemia. 

O UNAIDS enquanto instituição parceira, comprometida com o pleno alcance das metas globais em relação ao enfretamento da epidemia, para a qual a contribuição do Brasil se faz imprescindível, vem registrar sua preocupação e externar seu apelo para que alternativas sejam postas em práticas, na expectativa de que mais uma vez, o país volte a se despontar como referência de políticas públicas na área da AIDS.

Pedro Chequer
Coordenador do UNAIDS no Brasil

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