Descrição imagem: desenho de uma multidão difusa em tom pastel rosa e marrom em volta de um rei que se surpreende nu.
Na próxima semana acontecerá na cidade de São Paulo o maior evento em DST/Aids e Hepatites Virais da América Latina. Na verdade, serão dois congressos nacionais e dois fóruns latino americanos e caribenhos, onde milhares de gestores, profissionais de saúde, ativistas e pessoas vivendo com HIV irão enfrentar os desafios de construir a prevenção, de definir o papel das redes de saúde e também refletir criticamente sobre uma sociedade que se transforma velozmente em seus conceitos e valores.
No entanto, sob a perspectiva que a sociedade civil aponta há anos e hoje é referendada por organismos internacionais, o que falta ao Brasil é fazer a lição de casa. É tentar recuperar o prestígio e a credibilidade que outrora marcaram a estratégia brasileira, que hoje se tornou um exemplo de quão tênue pode ser a linha que separa o propalado controle da epidemia do sério retrocesso em políticas públicas para o combate à aids e defesa dos direitos humanos.
A manifestação recentemente ocorrida durante a Conferência Internacional de aids em Washington, onde ativistas brasileiros invadiram a sala de imprensa para protestar contra o sombrio panorama nacional, foi um marco para o ativismo brasileiro. O grupo exclamou que o rei estava nu e o mundo viu aquilo que parece que somente as ONGs e pessoas com HIV sabiam há muitos anos. A partir de então os olhos do mundo voltaram-se para o IX Congresso Brasileiro de Prevenção à Aids na expectativa de ver esse debate se aprofundar. De ver como o governo irá reagir quando a sociedade civil exigir a urgente reformulação da política nacional de AIDS, hoje também cobrada publicamente pela UNAIDS, pela Organização Panamericana de Saúde e pelo Alto Comissariado em Direitos Humanos da ONU.
Também em Washington, respondendo a uma questão sobre episódios anteriores de falta de medicamentos, o diretor do programa brasileiro afirmou que hoje não há esse risco, que ele dorme tranquilo. Esse congresso deve ter como objetivo principal tirar o sono tranquilo dos gestores. Fazer com que eles se sintam tão insones quanto as pessoas vivendo com HIV que não conseguem suas internações e consultas em especialidades e que também estão apreensivas com os efeitos colaterais dos medicamentos que hoje estão matando mais que a própria aids, sem uma vigilância em saúde adequada. Que fiquem tão sem sono e preocupados como os dirigentes de ONGs e lideranças de redes que se deparam com a escassez de recursos e a falência de suas atividades batendo à porta. Apreensivos como travestis e homossexuais, que são brutalizados e assassinados por conta de uma intolerância assustadoramente violenta.
Enfim, intranquilos como todos os liberais, que assistem uma incidência religiosa crescente em todas as esferas e níveis de governo, tendo sido considerada pela ONU como a principal ameaça às ações em HIV/aids no Brasil.
O rei está nu. Foi despido internacionalmente e agora não tem outro caminho senão uma reflexão aprofundada sobre o contexto atual e, sobretudo, atitude para mudar caminhos e traçar novas prioridades. De rever o processo de descentralização que, a despeito de sua motivação constitucional, praticamente acabou com as ações locais de prevenção e ameaça seriamente a assistência das pessoas vivendo com HIV com o desmonte dos centros de referência e transferência do tratamento para a rede básica de saúde. A mesma rede básica que aparece nos telejornais todos os dias e que normalmente acabam com a morte de alguém.
E a forma mais eficaz que nosso Estado democrático tem para viabilizar essa mudança é a convocação e realização da tão sonhada Conferência Nacional de Aids, espaço legítimo para ouvir, ser ouvido, decidir e responsabilizar. De firmar ágeis e confiáveis mecanismos de monitoramento e avaliação para não incorrermos novamente no erro de construir sobre terreno pantanoso.
Temos que nos reinventar, fazer o mesmo que o HIV, que se transforma a cada obstáculo que interponhamos em seu caminho, seja ele uma política pública ou um novo medicamento. De ter uma escuta ativa para a voz das pessoas vivendo com HIV, cuja percepção e vivência são frequentemente menosprezadas por não terem uma qualificação técnica ou uma titularidade acadêmica.
Temos que ser humildes e reconhecer que o maior erro cometido na história da epidemia foi anunciar ao mundo que a aids estava ‘sob controle, crônica como diabetes’. Caso contrário, corremos o sério risco de ver todo o trabalho construído ao longo de décadas ruir sobre berço esplêndido.
É hora de sair do berço, vestir as roupas e fazer a lição de casa.
Beto Volpe é um dos representantes do colegiado da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+) no Estado de São Paulo e presidente do Grupo Hipupiara, de São Vicente.
Na próxima semana acontecerá na cidade de São Paulo o maior evento em DST/Aids e Hepatites Virais da América Latina. Na verdade, serão dois congressos nacionais e dois fóruns latino americanos e caribenhos, onde milhares de gestores, profissionais de saúde, ativistas e pessoas vivendo com HIV irão enfrentar os desafios de construir a prevenção, de definir o papel das redes de saúde e também refletir criticamente sobre uma sociedade que se transforma velozmente em seus conceitos e valores.
No entanto, sob a perspectiva que a sociedade civil aponta há anos e hoje é referendada por organismos internacionais, o que falta ao Brasil é fazer a lição de casa. É tentar recuperar o prestígio e a credibilidade que outrora marcaram a estratégia brasileira, que hoje se tornou um exemplo de quão tênue pode ser a linha que separa o propalado controle da epidemia do sério retrocesso em políticas públicas para o combate à aids e defesa dos direitos humanos.
A manifestação recentemente ocorrida durante a Conferência Internacional de aids em Washington, onde ativistas brasileiros invadiram a sala de imprensa para protestar contra o sombrio panorama nacional, foi um marco para o ativismo brasileiro. O grupo exclamou que o rei estava nu e o mundo viu aquilo que parece que somente as ONGs e pessoas com HIV sabiam há muitos anos. A partir de então os olhos do mundo voltaram-se para o IX Congresso Brasileiro de Prevenção à Aids na expectativa de ver esse debate se aprofundar. De ver como o governo irá reagir quando a sociedade civil exigir a urgente reformulação da política nacional de AIDS, hoje também cobrada publicamente pela UNAIDS, pela Organização Panamericana de Saúde e pelo Alto Comissariado em Direitos Humanos da ONU.
Também em Washington, respondendo a uma questão sobre episódios anteriores de falta de medicamentos, o diretor do programa brasileiro afirmou que hoje não há esse risco, que ele dorme tranquilo. Esse congresso deve ter como objetivo principal tirar o sono tranquilo dos gestores. Fazer com que eles se sintam tão insones quanto as pessoas vivendo com HIV que não conseguem suas internações e consultas em especialidades e que também estão apreensivas com os efeitos colaterais dos medicamentos que hoje estão matando mais que a própria aids, sem uma vigilância em saúde adequada. Que fiquem tão sem sono e preocupados como os dirigentes de ONGs e lideranças de redes que se deparam com a escassez de recursos e a falência de suas atividades batendo à porta. Apreensivos como travestis e homossexuais, que são brutalizados e assassinados por conta de uma intolerância assustadoramente violenta.
Enfim, intranquilos como todos os liberais, que assistem uma incidência religiosa crescente em todas as esferas e níveis de governo, tendo sido considerada pela ONU como a principal ameaça às ações em HIV/aids no Brasil.
O rei está nu. Foi despido internacionalmente e agora não tem outro caminho senão uma reflexão aprofundada sobre o contexto atual e, sobretudo, atitude para mudar caminhos e traçar novas prioridades. De rever o processo de descentralização que, a despeito de sua motivação constitucional, praticamente acabou com as ações locais de prevenção e ameaça seriamente a assistência das pessoas vivendo com HIV com o desmonte dos centros de referência e transferência do tratamento para a rede básica de saúde. A mesma rede básica que aparece nos telejornais todos os dias e que normalmente acabam com a morte de alguém.
E a forma mais eficaz que nosso Estado democrático tem para viabilizar essa mudança é a convocação e realização da tão sonhada Conferência Nacional de Aids, espaço legítimo para ouvir, ser ouvido, decidir e responsabilizar. De firmar ágeis e confiáveis mecanismos de monitoramento e avaliação para não incorrermos novamente no erro de construir sobre terreno pantanoso.
Temos que nos reinventar, fazer o mesmo que o HIV, que se transforma a cada obstáculo que interponhamos em seu caminho, seja ele uma política pública ou um novo medicamento. De ter uma escuta ativa para a voz das pessoas vivendo com HIV, cuja percepção e vivência são frequentemente menosprezadas por não terem uma qualificação técnica ou uma titularidade acadêmica.
Temos que ser humildes e reconhecer que o maior erro cometido na história da epidemia foi anunciar ao mundo que a aids estava ‘sob controle, crônica como diabetes’. Caso contrário, corremos o sério risco de ver todo o trabalho construído ao longo de décadas ruir sobre berço esplêndido.
É hora de sair do berço, vestir as roupas e fazer a lição de casa.
Beto Volpe é um dos representantes do colegiado da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+) no Estado de São Paulo e presidente do Grupo Hipupiara, de São Vicente.
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