Pessoal, compartilho com vocês uma ficção nada ficcional sobre brothers, de autoria de Vitor Guglinski.
Beto Volpe
Planeta: Terra
País: Brasil.
Data estelar: 14 de março de 2097.
Local: Brother’s House – Rio de Janeiro.
Os heróis estavam reunidos após mais um dia extenuante de longo e intenso papo furado ao balançar da água da piscina. Foi quando a tranquilidade dos heróis foi inopinadamente interrompida por uma chamada do Comando Estelar:
- Chamando Brother’s House... Chamando Brother’s House... Algum herói na escuta? Câmbio.
- Super-Angel na escuta, General. Câmbio.
- Super-Angel, todos os heróis estão na escuta? Câmbio.
- Mais ou menos, General. Kassius-Shock está aqui ao meu lado. Estamos em uma reunião importante para discutir qual protocolo será adotado amanhã na cozinha, pois hoje o Protocolo P-851 foi quebrado durante o uso da piscina. O Mega-Walt acabou usando sunga preta ao invés de cumprir o previsto no P-851, o qual determina que às sextas-feiras os heróis do sexo masculino devem usar sungas verdes. Afora isso, nenhuma anormalidade foi detectada. Aconteceu alguma coisa, General? Câmbio.
- Super-Angel, como vocês sabem, desde o início do século XX a humanidade está sendo dizimada por um perigoso inimigo chamado HIV. Trata-se de um vírus mortal, que causa a chamada acquired immunodeficiency syndrome (AIDS), no nosso idioma conhecida como Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). O que se sabe sobre esse inimigo é que ele já causou a morte de mais de 30 milhões de pessoas, e quase 40 milhões estão infectadas no mundo inteiro. No entanto, advirto que os males provocados por esse poderoso inimigo vão muito além das consequências resultantes da própria doença. Segundo consta de nosso banco de dados, além de terem que combater o poderoso HIV, suas vítimas ainda têm encontrado dificuldades provocadas pelo convívio social.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil, apesar de ter como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, conforme definido no inciso III, do artigo1º, não tem sido suficiente para instituir uma sociedade livre, justa e solidária, e nem promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, conforme consta dos incisos I e IV do artigo 3º.
Como vocês sabem, é por isso que decidimos criar essa liga de heróis como vocês. Nossa Constituição não tem sido observada nos itens que acabei de expor. Porém, ela – a Constituição – previu um outro poderoso instrumento para levarmos informações relevantes a nossos protegidos: os meios de comunicação.
Está previsto no artigo 221 da Carta Fundamental que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão a alguns princípios, como a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família."
Devemos aproveitar essa importante via para informar e conscientizar as pessoas sobre a importância de se combater outros terríveis inimigos: o desrespeito e o preconceito. Ao lado da ciência, precisamos aproveitar ao máximo esse meio de comunicação poderoso, que lhes rende mais de 25 pontos no Ibope, para reduzir o preconceito e o desrespeito que assola as vítimas do asqueroso HIV.
Determino que, imediatamente, vocês se reúnam, em caráter de emergência, de modo a traçarem uma estratégia para extirparmos da humanidade esse vírus mortal.
- Entendido, General. Câmbio.
Nesse momento, um clima de profunda preocupação tomou conta do Anexo-3.2, onde os heróis se encontravam, ao que Super-Angel indagou:
- Kassius-Shock, qual é a situação?
- Super-Angel, reuni em meu banco de dados de última geração as informações sobre esse terrível vírus. O computador cruzou as informações e me enviou o relatório de processamento, indicando que “o que o homem gasta com remédios para portadores de aids, se ele gastasse apenas três vezes mais, em 40 anos acabava a aids no mundo. Daria remédio para todas as pessoas. Quem já tem, geralmente não dura mais de 40 anos, eles falecem e a aids acaba”.
- Kassius-Shock, o que você quer dizer com “gastasse apenas três vezes mais”? Gastar três vezes mais com o quê? Acho que seus sistemas estão muito obsoletos. Quarenta anos é tempo demais. Ou você não percebe que estamos na Era da supervelocidade? O tempo hoje é um bem escasso; estamos na sociedade pós-industrial, que valoriza o lazer, o ócio, o tempo livre. Um dos deveres impostos a nós -heróis - é dar lazer de qualidade a nossos protegidos. Esqueça essa ideia.
- E você, Marcell-Kiss, alguma sugestão? - Sim, Super-Angel. Que tal irmos para o quarto?
- Não seja infantil! Isso não é hora para fanfarrices. Além disso, não estou apta. Ainda não tomei a super-poção-inconscientizadora. Achei que já tínhamos selado esse assunto.
Kassius-Shock, então, interpela Marcell-Kiss:
- Ei, Kiss, sugiro que você controle esse seu odioso atavismo primata, senão...
- Senão o que? Vai atirar sua faisquinha em mim?
- Ora, seu macaco selvagem...
A animosidade entre Shock e Kiss foi então interrompida por Angel:
- Parem já com isso! Kassius-Shock tem razão. Foi por causa de macacos que o terrível HIV tomou conta do mundo. Se idiotas sexualmente descontrolados como você - Marcell-Kiss - não tivessem a brilhante ideia de copular com um macaco, nada disso teria acontecido! Me irrita saber disso. Vocês, homens, são um entrave para a humanidade; só pensam em sexo.
Ato contínuo, Super-Angel chamou o Comando Estelar: - Chamando o Comando Estelar... Chamando o Comando Estelar... Está na escuta, General? Câmbio.
Ao que o General respondeu:
- Na escuta, Super-Angel. Prossiga. - General, infelizmente o ambiente aqui não está favorável a uma tomada de decisão racional. A solução apresentada pelo Kassius-Shock afigura-se demasiadamente custosa, inadequada e improdutiva, além de desafinada com a economia de tempo. Mas, nem precisei pensar muito para encontrar a salvação para os mortais.
- Continue. - disse o General. - Vamos matar todos os portadores de HIV, e assim solucionar definitivamente o problema da AIDS.
- Super-Angel, receio que você não se atentou para as diretrizes constitucionais que mencionei no início da transmissão. O protocolo de ação sugerido viola a dignidade humana, atenta contra a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e se caracteriza como discriminação. A atual ordem mundial repudia esse tipo de protocolo. A luta tem sido no sentido de se construir uma sociedade inclusiva. Lembre-se do exemplo que a história nos dá, em que milhares de pessoas já padeceram em razão de determinado regime que tentou purificar uma raça pretensamente superior.
- Mas, General, segundo a ética utilitarista pregada pelo mestre Bentham, os fins justificam os meios. A relação custo/benefício é interessante. Essas pessoas já estão mesmo fadadas à morte. Faremos uma boa ação ao abreviar o sofrimento desses seres.
- Super-Angel, negativo. Aqui adotamos a ética deontológica do mestre Kant. Defendemos a ética absoluta, fundada na máxima de que, se está errado agir de determinado modo, pouco importa se a ação trará resultados supostamente benéficos; sendo a ação eticamente equivocada, o correto é não agir, pois estará errada de qualquer modo. Trabalhamos com a ética do dever ser. Ademais, os seres humanos não devem ser submetidos a ações de caráter irreversível, como a que você propõe. Ainda que heróis, vocês podem falhar. Paralelamente, há uma legião de cientistas combatendo o terrível HIV com a paciência e dedicação que o caso requer. Os últimos resultados demonstram que suas vítimas hoje conseguem viver com qualidade. Políticas higienistas estão fora de cogitação.
- Mas, General...
- Super-Angel, sem mais. Vou convocar uma reunião extraordinária do Conselho Superior e colocar em pauta a cassação do título de heróis que algum maluco equivocadamente atribuiu a vocês. Precisamos de mentes comprometidas e cientes de que problemas de saúde pública devem ser combatidos de forma a preservar o elemento humano, e não exterminá-lo. Mas, Angel, antes de encerrar a transmissão, estou curioso pra saber de onde você tirou essa ideia maluca de exterminar portadores de HIV para acabar com a AIDS. Qual foi sua fonte de inspiração? Duvido que foi Bentham.
- General, há muitos anos assistimos aqui na Brother’s House um programa chamado BBB.
Fim da transmissão.
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