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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Tiro pela culatra



Doutor Fabio Mesquita, você sabe que sou um grande admirador de seu trabalho, especialmente em nossa região. Nem ameaças de grupos conservadores, nem mandados de prisão foram suficientes para que você, Telma de Souza e Davi Capistrano recuassem em suas crenças e inovassem no enfrentamento à epidemia de AIDS, mostrando ao mundo o modelo a ser seguido. Oferta de testagem, acolhimento, adesão a tratamento integral e defesa de direitos humanos. 

Sabemos que, falando em AIDS, o que excede de um lado prejudica o outro. Se mostrarmos que viver com HIV é a nona maravilha do mundo moderno, a prevenção vai por água abaixo. Da mesma forma, se dissermos que a AIDS mata e que ela vai te pegar, os direitos humanos das pessoas com HIV vão pelo ralo da intolerância. E que, segundo tudo que li desde que iniciei no ativismo, a forma com que a pessoa é acolhida após um resultado reagente para o HIV influirá, em muito na maneira com que ela vai se relacionar com a nova situação.

Aí, em recente entrevista a uma emissora mineira, você diz que até o final do ano o teste de HIV estará disponível na farmácia mais próxima e que tudo será muito mais simples. Será?

Eu me lembro muito bem daquele final de novembro de 1989, quando soube que minha vida tinha acabado. Sim, porque as primeiras palavras que me ocorreram foram 'acabou tudo'. O tempo passou, muita água rolou por cima e por baixo da ponte, o coquetel está aí, as pessoas puderam se esconder e, sob esse manto de invisibilidade todo mundo começou a pensar em doença crônica, sob controle, UM MUNDO SEM AIDS!!!

O que os técnicos parecem ter esquecido é que por trás de cada meta, de cada algoritmo, de cada planilha, existem vidas. Lembro do Congresso de Prevenção realizado em Brasília, em 2010, onde havia um stand com a menina dos olhos do Ministério da Saúde naquele ano: o teste rápido. Eu e um grupo de ativistas estávamos andando pelas redondezas e vimos um rapaz sair de lá, meio que cambaleante, como quem não tem rumo a tomar ou, se preferir, quem perdeu o chão. Aproximamo-nos dele e, questionado sobre seu bem estar, ele disparou:

- Tô com AIDS. O que faço da minha vida agora?

Peraí, pára tudo. Naquele evento havia somente pessoas cadastradas, que de alguma forma trabalhavam na luta contra a AIDS. E uma dessas pessoas, que não é ignorante com relação a conceitos e atualidades da epidemia, perdeu completamente o chão quando recebeu o diagnóstico reagente. Nesse mesmo stand também houve um sério constrangimento quando a enfermeira chamou insistentemente e em voz alta o Aderbal da Silva. Aderbal da Silva. ADERBAL DA SILVA. E levantou uma loira espetacular dizendo que seu nome social estava no documento de identidade. Enfim, é que nem aqueles restaurantes baratos: se é sujo daquele jeito na área dos clientes, imagina a cozinha... Se é assim na vitrine do Departamento Nacional, imagina no SUS.

Nesses catorze anos que tenho de ativismo já acolhi muita gente com diagnóstico recente de HIV. Na ONG, em palestras, pela internet, de tudo que é forma. Pessoas de todos os tipos, mulheres e homens de todas as orientações sociais, faixas etárias, classes sociais, credos, travestis.... Mas eles têm uma coisa em comum, quando me abordam: ainda não sabem onde pisar. Se lembrarmos de nossa adolescência, nunca foi fácil se adaptar a uma nova escola. E nessa escola, a morte é o fiscal do corredor. Muita coisa mudou na história da AIDS. Menos receber o diagnóstico, quando a racionalidade dá lugar a todos os medos que um dia julgara dissipados.

Fábio querido. O Conselho Federal de Psicologia colocou-se frontalmente contrário a essa iniciativa, por desconsiderar os aspectos sócio psicológicos daquela pessoa que irá comprar um teste e fazê-lo em casa. As pessoas com HIV, em sua maioria, estão temendo por seus futuros companheiros de trajetória, se é que esses irão a algum equipamento de saúde. Vivemos a era da conveniência, não é mesmo? Talvez seja mais fácil rasgá-lo, enfiar no fundo da caixa de recordações que fica no armário. Ou, quem sabe, após uns goles e umas carreiras sair correndo. Só Deus sabe se para a janela do oitavo andar ou se para a baladinha mais próxima. E o tiro sairia pela culatra.

Beto Volpe

Um comentário:

  1. olá Beto, em primeiro lugar gostaria de parabenizá-lo pela pessoa que és. Não é fácil conviver com esta doença ainda mais desde a época na qual foste contaminado. Fiquei impressionado com sua história de vida e muito feliz também. Quanto ao teste rápido em farmácia, peço venia para descordar do seu posicionamento. Milhoes de pessoas (estou incluido
    ) não fazem o teste pelo medo da exposição. É preferivel uma pessoa ficar desorientada e desamparada qnd souber de um eventual resualtado reagente, do que nunca saber por nao fazer o teste. Também vi a reportagem do Dr. Fábio e minha decepção foi com o adiamento da venda desses testes em farmacia, pois no ultimo dia mundial contra aids (01/12/2013), o Ministerio da Saude veio a publico afirmar que a partir de fevereiro estes testes ja estariam disponiveis. fevereiro chegou e cade os testes? decepção geral!!!!

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