Pessoal, um intrigante artigo (não titulado) de Rodolfo Viana que, a despeito de ser de 2011, é atual, uma vez que as pessoas com HIV do Brasil estão ansiosas pela chegada do Truvada.
Beto Volpe
Estamos mais próximos da cura da
Aids. Para chegar lá, nós abraçamos com mais força nosso preconceito sexual e
ignoramos a existência dos gays. Eles não existem. Pelo menos é o que indica o
comportamento de estudiosos que buscam a tão sonhada cura para os portadores do
vírus HIV. Dois estudos recentes sustentam a ideia de que drogas usadas no
tratamento de pacientes soropositivos previnem que heterossexuais sejam contaminados.
Sim, há esta especificidade: heterossexuais.
Um dos estudos foi divulgado na
última quarta-feira. Conduzido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças
dos EUA, ele envolveu mais de 1,2 mil mulheres e homens sexualmente ativos e
soronegativos em Botswana. Metade do grupo tomou Truvada, um medicamento
produzido pela Gilead Sciences Inc. e dirigida a pacientes com HIV; a outra
metade recebeu placebo. Do primeiro grupo, apenas quatro indivíduos foram
infectados pelo vírus; do segundo, o número subiu para 19. Os “gênios”
concluíram: Truvada corta o risco de infecção em
78%.
Um homem, uma mulher e todo um passado de sexo sem
segurança. Eles sim estão "certos".
O
segundo estudo foi financiado pela Fundação Bill
& Melinda Gates e conduzido pela Universidade de Washington. As cobaias
foram 4.758 casais heterossexuais ugandenses e quenianos com um dos parceiros
infectado pelo vírus. Aos soronegativos, deram Truvada ou Viread, também um
medicamente para o tratamento da Aids – e também produzido pela Gilead.
Resultado: 13 infecções entre aqueles que tomaram Truvad, 18 entre aqueles sob
Viread e 47 entre os infelizes que estavam à base de placebo. O resultado é digno
de comemoração: as chances de infecção caíram entre
62% e 73%.
Regozijai-vos, pois! Vós, que estais de acordo com os “padrões”, sereis
recompensados pelo bom comportamento sexual.
Não discuto se Gilead é o messias
prometido ou o demônio em forma de pessoa jurídica. Convenhamos: em uma
realidade com mais de 33 milhões de homens, mulheres e crianças soropositivas,
não podemos nos dar à ignorância do preconceito em relação a uma corporação que
se presta a amenizar o sofrimento causado pelo mais maligno dos vírus. Ok, os
engravatados da Gilead lucraram US$ 2,9 bi entre 2010 e 2011 e subiram muitos
degraus na lista das 500 maiores companhias segundo a Fortune (do 444º lugar em 2009 para o 299º em 2011). Mas em que parte do contrato social da
Gilead está escrito “entidade sem fins lucrativos”?
Truvada te salvará. A menos que você ame pessoas do
mesmo sexo.
Eles que lucrem. E que continuem a desenvolver pesquisas do gênero e a
produzir seus elixires. Vida longa à Gilead! O que me faz queimar neurônios é:
por que raios excluíram os gays dos estudos? Os resultados atuais são um
pequeno passo para alguns homens, mas poderiam ser um grande passo para a
humanidade. Não foi dessa vez.
Preconceito velado e a imprensa
omissa
A Organização Mundial de Saúde afirmou, há menos de um
mês, que os gays do sexo masculino têm 20 vezes
mais risco de serem infectados pelo vírus HIV em comparação com
héteros – palavras do braço da Organização das Nações Unidas dirigido à saúde.
O governo brasileirocorrobora esses dados sobre a
relação entre gays e HIV. Um estudo realizado no ano passado constatou que,
entre homens de 15 a 49, a taxa de prevalência do HIV era de 0,8% – entre
jovens gays com mais de 18 anos, a incidência era de 10,5%.
Conclusão: a epidemia pode ser mais difundida entre os homossexuais.
Isso não é preconceito meu – são dados estatísticos. Gays estão morrendo e as
corporações estão queimando notas de Benjamin Franklin com as pessoas erradas.É
como fazer um Bolsa Família para a classe média ou como querer matar a fome do
bairro de Pinheiros.
Enquanto isso, a imprensa gringa mostra-se bastante feliz com os
resultados dos estudos. Não é para menos. Mas nenhum veículo de comunicação se
propôs a indagar: “Por que os gays foram excluídos?” A omissão da imprensa se
justifica: falar de gays é feio. Mais feio do que falar de Aids. Mas nós, os
héteros, não nos preocupamos. Nós temos a Gilead.
É jornalista. Torce
para o Marília Atlético Clube. Gosta quando tira a carta “Conquiste 24
territórios à sua escolha, com pelo menos dois exércitos em cada”. Curte tocar
Kenny G fazendo sons com a boca. Já fez brotar um pé de feijão de um pote com
algodão. Tem 1,75 de miopia. Bebe para passar o tempo
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