Descrição da imagem: aparelhinho para o teste caseiro, branco com inscrições azuis, que mais parece um picolé.
Receber um diagnóstico de HIV+ não é nada fácil. Lembro-me detalhadamente do dia em que recebi o meu, em 1989. Da angústia que o antecedeu e da total perda de perspectivas, jogado no vazio da AIDS. Ainda bem que o exame me foi entregue por uma assistente social do CRAIDS de Santos que me deu orientações sobre o tratamento e os primeiros passos nesse mundo tão diferente e ameaçador no qual eu havia acabado de entrar. Porque, repito, não é nada fácil receber um diagnóstico de HIV+.
O tempo passou, a AIDS sofreu várias mutações, seguindo o princípio de seu causador, ampliou sua abrangência territorial e social, foi ficando mais forte à medida que a ciência lhe interpunha barreiras e os efeitos colaterais passaram a competir no ranking de mortalidade. Mas uma coisa parece não ter mudado, isso por observação minha e de outros ativistas que trabalham diretamente com pessoas vivendo com HIV: o impacto do diagnóstico, na maior parte das pessoas, ainda é desnorteador. As pessoas ficam sem chão e algumas cogitam 'fazer uma loucura'. Aí entra nosso acolhimento, que costuma tranquilizar a situação e dar condições da pessoa fazer opções mais equilibradas sobre seu futuro.
O governo norte americano, baseado em sua lógica liberal onde cada um cuida do seu, acaba de aprovar o teste caseiro para diagnosticar o vírus HIV pela saliva. Dá medo que daqui a pouco, e nao tenho dúvidas com relação a isso, o governo brasileiro aprove esse procedimento em nosso país. Desde que comecei a trabalhar
com AIDS, e isso já vai pra 13 anos, sempre li em publicações relacionadas à adesão ao tratamento que a forma como a pessoa recebe o diagnóstico tem uma influência muito grande na convivência entre HIV e ser humano. Por conta disso
que existe toda uma estratégia que envolve uma entrevista antes da coleta e
um acolhimento após o diagnóstico, pra tirar dúvidas e, muitas vezes, acalmar a
pessoa que acaba de receber o diagnóstico de uma doença fatal e repleta
de preconceitos.
Agora, imagine, noite chuvosa no centro de Sampa, num
quarto e sala onde vive sozinha, uma pessoa faz o teste e dá reagente.
As mesmas dúvidas e preconceitos irão rolar mas, ao invés de esclarecimento, só haverá o tal do vazio. Daí as possibilidades são inúmeras, desde rejeição à idéia e
fazer de conta que nada aconteceu, até saltar sobre a avenida lá
embaixo. Pode também intensificar o consumo de álcool ou outras drogas
ou ainda sair por aí, num ato de rebeldia, disseminando o vírus. Outra situação: um casal de adolescentes, ou de envelhescentes, faz um pacto de amor que inclui o teste de HIV. Um deles dá reagente. E aí, é na saúde e na doença?
Os EUA têm sua maneira de agir permitindo, inclusive, anúncios de medicamentos para combater o HIV mostrando pessoas lindas e sem problemas, como um anúncio de cerveja. O Brasil tem outra realidade. Somos um povo que trata as coisas sérias com muita conveniência. O caminho mais prático é cada vez mais a primeira opção e isso, em AIDS, pode se traduzir em consequências desastrosas.
É, receber um diagnóstico de HIV+ não é nada fácil e deve ser tratado com
menos banalidade. Se você pensa que HIV é gripe, HIV não é gripe, não...
Beto Volpe
Penso que esse descaso com o papel do Aconselhamento seja danoso e tão nocivo quanto a ignorância completa....excelente reflexão, Beto!
ResponderExcluirParabens Beto pela bela reportagem!! Dory
ResponderExcluirBoa tarde Beto, realmente pensei nessas mesma questões quando soube desse teste caseiro aprovado lá; mas alem de todas essas questões que você citou, vejo que deve ter muito interesse por traz do fabricante do teste em se beneficiar com isso; é uma pena que o materialismo do mundo sobressaia das questões emocionais e por que não dizer espirituais a tempos, nem tudo que é novidade foi feito para melhora do ser humano, acho que as pessoas precisam rever seus conceitos e repensarem no que é BOM para elas e não o que a mídia empurra. Espero que o Brasil veja e reveja muuuuito antes de colocar isso aqui disponivel em nosso país.Abraços
ResponderExcluirBem pensado Beto. Mais uma questão, será que não vai haver aquela questão de que pega pelo beijo/saliva? Vamos voltar ao início de tudo. Pega-se Aids com beijo, copos, talheres, etc...
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