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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pela polarização PT – PSDB

Pessoal, compartilho entrevista com o cientista político Fábio Wanderley Reis feita pelo Blog do Morris, de Morris Kachani.

Concordo com praticamente tudo que ele diz, mas especialmente nesse trecho: "No caso do Brasil, apesar de sermos presidencialistas, raramente nas eleições para presidente são eleitos membros para apoio adequado no Congresso. Ao invés disso, o mandatário está permanentemente envolvido em barganhas. "

Beto Volpe



Para Fábio Wanderley Reis, 76, um dos principais cientistas políticos do país, a polarização PT – PSDB pode servir de base para a construção de um sistema partidário simplificado e consistente, com um resultado democrático mais sólido, desde que a reforma política entre em pauta, permitindo ao presidente a chance de eleger a maioria no Congresso, sem ter que recorrer ao clientelismo pragmático.

Reis é doutor pela Universidade Harvard e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Enquanto pesquisador, se dedicou a temas como a transição democrática e o processo eleitoral brasileiro. Em sua visão, Marina Silva reúne toda uma série de fragmentos em torno da imagem de um ideário ingênuo e confuso, em conexão com as manifestações de junho de 2013.

“Temos que jogar o jogo democrático eleitoral num quadro que certamente envolve limitação do ponto de vista da qualificação do eleitorado. Vejo no manifesto de apoio a Marina Silva o anseio a um processo político em que presumivelmente haveria governantes sensatos eleitos por eleitores sensatos. Ora, isso não existe”.

“O que é mesmo a Marina? Uma porção de coisas. Ela exerce atração por motivos muito diversos, ela é ambientalista, evangélica, é um Lula em certo aspecto da trajetória de sua vida, sua singular honestidade pessoal é marcada”.

“Marina é sim uma incógnita, mas traz, potencialmente, coisas positivas. E também incertezas. Marina representa a pós-esquerda em certos casos, os reacionários em outros, como se fosse uma derivação mais à direita, acomodada em certos interesses empresariais”.

Reis, que já votou em FHC e de Lula, revela inclinação por Dilma, apesar de todas as reservas. “Não gosto nem um pouco dela como líder e candidata. Dilma revela simplesmente a força do Lula, que transformou em presidente alguém absolutamente inviável, incapaz de se afirmar por si mesma, com dificuldades de se impor inclusive como liderança. Dilma era efetivamente um poste, mas obviamente hoje já tem um certo público fiel”.


Como enxerga o quadro da sucessão presidencial?
A questão é até onde vai a possibilidade do eixo potencial entre PT e PSDB, ajudado por aliados espúrios fiéis ao modelo existente, ou se emergem lideranças de outro tipo, sem conexão partidária mais clara, com eventual ruptura deste modelo. Estamos vivendo um indício muito claro com o surgimento de Marina. O que é mesmo a Marina? Uma porção de coisas, ela exerce atração por motivos muito diversos, ela é ambientalista, evangélica, é um Lula em certo aspecto da trajetória de sua vida, sua singular honestidade pessoal é marcada e faz uma conexão com as manifestações de junho de 2013. Mas tenho uma visão muito restritiva das manifestações.

Por que?
Acho que aquilo foi supervalorizado do ponto de vista do significado da coisa. Nas manifestações com maior concentração de pessoas, chegou-se a um número que representava 0,5 % do eleitorado ou da população. Foi uma movimentação em que o aspecto fútil ficou bem claro em certos instrumentos de mobilização e redes sociais disponíveis. Fútil no sentido de que era uma mobilização sem compromissos reais com objetivos reais. Havia ali de tudo. Um certo antipoliticismo, claramente ingênuo e que não se sustenta, levando impedimento aos partidos. É bem significativo o fato de que isso não teve condições de se aguentar.

E Marina?
Marina foi a única liderança política que escapou e se saiu bem, a coisa da antipolítica ela personaliza bastante. Ela reúne toda uma série de fragmentos em torno da imagem de um ideário que me parece confuso, com o propósito de romper aquilo que ela vem chamando de polarização negativa. Acho um equívoco ver isso como algo negativo.

A polarização não é necessariamente negativa?
Não, acho importante construir um sistema partidário simplificado e consistente, como nos Estados Unidos por exemplo. É preciso claro excluir o presidencialismo de coalizão (termo cunhado por Sergio Abranches). O PMDB é muito poderoso, temos um clientelismo pragmático. No caso do Brasil, apesar de sermos presidencialistas, raramente nas eleições para presidente são eleitos membros para apoio adequado no Congresso. Ao invés disso, o mandatário está permanentemente envolvido em barganhas. Num sistema partidário consistente e simplificado, diferente do presidencialismo de coalizão, um presidente que se elege teria chance de eleger a maior bancada no Congresso.

Como acabar com o presidencialismo de coalizão?
Com uma reforma política, no sentido de fortalecer os partidos. Com a ideia de você tentar restringir a proliferação das famosas legendas de aluguel, legislar no sentido de que tenhamos os partidos controlando as candidaturas. Isso envolve também o voto em listas. Talvez a grande interrogação seja exatamente o que tem havido de positivo na dinâmica que a gente tem vivido, se há condição de persistir este sistema. E aí faz sentido a incerteza da Marina, que é sim uma incógnita, mas traz, potencialmente, coisas positivas. E também incertezas. Ela representa a pós-esquerda em certos casos, os reacionários em outros, como se fosse uma derivação mais à direita, acomodada em certos interesses empresariais. A provável disputa entre duas mulheres (e espero não estar errado), uma branca e outra negra, é claramente positiva em certa ótica. Os EUA demorarão décadas para que algo semelhante possa acontecer.

 A quem declara seu voto?
Como maior de 70 anos, e cientista político, meu voto é irrelevante. Mas apesar de todas as reservas, como liderança pessoal, a Dilma me inspira. Não gosto nem um pouco dela como líder e candidata, ela revela simplesmente a força do Lula, que transformou em presidente alguém absolutamente inviável, incapaz de se afirmar por si mesma, com dificuldades de se impor inclusive como liderança. Dilma era efetivamente um poste, mas obviamente hoje já tem um certo público fiel – no Nordeste por exemplo sua popularidade não se abalou, apesar da entrada da Marina. Preferia ver continuidade no enfrentamento PT X PSDB. O partido que ocupou a posição da social-democracia acabou sendo o PT, com o PSDB sendo empurrado para a direita.

Como se define politicamente?
Procuro entender meu trabalho e a maneira como olho as coisas sobretudo como analista, com certa equidistância e um esforço de acuidade de alguém treinado em ciências sociais e políticas. O que não significa que não tenha simpatias e inclinações, digamos de centro-esquerda. Por exemplo, votei no FHC e na eleição seguinte votei no Lula. Na juventude, como muitos, nutri fantasias de uma esquerda mais radical, mas agora faço uma apreciação mais madura e uma avaliação mais crítica dos equívocos e das fantasias daquele tempo.

Quais são os equívocos e fantasias?
Sem pegar em armas, militei contra a ditadura. Não cheguei a ser preso, mas sofri cassação branca – tive dificuldades em sair do país por exemplo, para defender minha tese de doutorado no exterior. Um ponto saliente nos debates da imprensa são as pessoas que pegaram em armas contra a ditadura, uma certa fantasia que admitia a violência. Na minha experiência como militante do PSB, num certo momento isso se transformou em algo mais radical, um ideário propriamente revolucionário para liquidar o que seria inerente ao sistema capitalista. Sou desde muito tempo, contra a ideia de dissociação entre crime político e crime comum. O fato de ter ideias na cabeça não te dá direito a sair matando. Essa ideia foi posta em prática no exílio do Cesare Battisti.

E quais seriam os equívocos e fantasias de hoje?
Se a gente está comprometido com democracia, temos que jogar o jogo democrático eleitoral num quadro que certamente envolve limitação do ponto de vista da qualificação do eleitorado. Vejo no manifesto de apoio a Marina Silva o anseio a um processo político em que presumivelmente haveria governantes sensatos eleitos por eleitores sensatos. Ora, isso não existe, em qualquer lugar do mundo.

Em qualquer lugar do mundo?
Só que no nosso caso somos singulares, passamos séculos construindo uma sociedade escravista, singularmente desigual. Sabemos que houve escravidão mas não estamos atentos às implicações disso. Temos uma parte majoritária da sociedade amplamente marginal, sem acesso adequados a bens materiais e educacionais.

Os Estados Unidos também passaram pela escravidão.
Só que nos Estados Unidos o sul perdeu a guerra. Aqui a escravidão prevaleceu, se desdobrou e penetrou na estrutura social inteira. Bem ou mal nos Estados Unidos houve uma guerra civil. Aqui, apesar daquela coisa idealizada da miscigenação proposta por Gilberto Freyre, o processo foi mais brando, o que implicou uma permanência e penetração que é singular.

O Brasil avançou muito socialmente, nos últimos anos.
Não é fácil encontrar países com grau de desigualdade como o Brasil.
Mas vejo um período afortunadamente positivo, primeiro com o governo FHC, em seguida com Lula, e nessa ordem. FHC foi importante para depois haver um aprofundamento social por parte do governo Lula. Com isso temos uma certa melhoria. Você se dá conta disso pegando dados sérios como IBGE, emprego, acesso ao crédito, nível do salário mínimo. As universidades que eram branquelas hoje são mulatas, é inegável o avanço. Mas é preciso ver o que tem de limitador, como o acesso precário à educação. Temos uma conjuntura aberta a formas populistas, com o componente fraudulento de manipulação. A operação da democracia se dá em condições sociais precárias. É preciso distinguir o populismo tradicional do elitista, com o povão como massa de manobra. Lula, que bem ou mal é um líder mais autêntico, de origem análoga, revela um compromisso mais nítido com metas sociais. No seu caso poderia se falar de um populismo mais autêntico entre aspas.

Como o marketing político se entrelaça com esta conjuntura?
Claramente sob um aspecto negativo. Você pode encontrar certezas marketeiras que funcionam, há uma certa consistência populista. Tenho usado uma expressão, que é a “síndrome do Flamengo”. Você não tem uma informação minimamente adequada sobre os problemas relevantes da nação para tomar uma decisão eleitoral. Então é como torcer para um time de futebol popular, no fundo não há razão para torcer por este ou aquele time, a não ser por uma imagem popular que se cristalize. E como o lado popular pode trazer ganho material, como a oportunidade de acesso ao crédito ou ao bolsa família, as coisas se somam.

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