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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



sábado, 9 de agosto de 2014

“Sei que posso ser condenado por três crimes, mas não vou parar”

Pessoal, essa é a história de Benício e seu pai. E se forem atirar a primeira pedra,. que seja na ANVISA.


“O Benício não foi planejado, mas, desde o começo, lutei para ficar ao lado dele. Tenho a guarda, sou pai e mãe. Ele nasceu bem e se desenvolveu normalmente até o quinto mês, quando teve a primeira crise convulsiva, que durou 40 minutos. Levei ao hospital, ele foi examinado e ficou em observação por 12 horas. A princípio, parecia apenas uma reação à vacina tríplice que havia tomado. Só que, dois meses depois, aconteceu de novo. Meu filho entrou em status epileticus (crise convulsiva que não para sozinha) e teve sua primeira internação no CTI. Aí começou a luta.

Desde então, ele passou a ter até nove crises por dia. De madrugada, acordava gritando, com febre. Tenho um diário com tudo o que passamos. Em 2010, aconteceu a segunda internação, por causa de um ataque que comprometeu a respiração. A crise durou tanto tempo que Benício entrou em coma. Após 12 dias em coma profundo, o médico disse que faria um eletroencefalograma para saber se meu filho ainda tinha atividade cerebral. Caso não tivesse, seria considerado morto. Eu cheguei a preparar o documento para doar os órgãos dele
e minha família chamou um padre, que deu a extrema unção. Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Mas o Benício acordou momentos antes de fazer o exame. Minha família
acha que teve um dedo de Deus. Eu, como médico,  estou acostumado com essas coisas.

Em novembro de 2011, veio o diagnóstico de síndrome de Dravet, uma das doenças que determinam o quadro de epilepsia de difícil controle, e que é causada por uma mutação
genética. Estima-se que ela afete uma pessoa em cada 20 mil. O prognóstico da doença é péssimo – não existem adultos vivos com essa síndrome. Quando a crise epilética começa, o
corpo inteiro treme e a contração muscular é tão intensa que provoca dor e chega a impedir a respiração. Por causa das convulsões constantes, Benício não conseguia frequentar a escola. Por isso, durante o dia, enquanto eu trabalhava, ele ficava na casa da minha mãe, com uma cuidadora que contratei. Muitas vezes, saí no meio do trabalho para socorrer o meu filho em crise. Ele virou figurinha conhecida nos hospitais de Belo Horizonte (MG). Eu corria com ele para o hospital pelo menos três vezes por semana. O Benício foi internado 48 vezes em seis anos de vida. 

Todas essas convulsões deixaram sequelas. O meu filho não fala e o desenvolvimento psicomotor foi extremamente prejudicado. Para ele, cada segundo de vida tem um grande valor. A demora para receber atendimento durante a crise é prejudicial. Tanto nos hospitais públicos como nos privados, o socorro neurológico é muito precário. Então, eu mesmo passei a fazer o atendimento quando ele entrava em crise. Fui muito questionado, mas só fazia quando necessário, em situações de emergência. Tenho todo o equipamento, carrego praticamente um CTI no porta-malas do carro. 

Os médicos receitaram diversos medicamentos fortes para a doença de Benício. Mas, mesmo tomando 13 comprimidos por dia, as crises diárias continuavam. Foi então que eu soube que os pais de Anny estavam usando o canabidiol para medicar a filha. Entrei em contato e eles me passaram o caminho das pedras, a estratégia para trazer ao Brasil. Um amigo de infância que trabalha como operador de turismo nos EUA se dispôs a ajudar. É ele que me manda pelo correio. Nós nos comunicamos por e-mail com o código Charlie-Bravo-Delta, típico da linguagem de agências de turismo, para nos referirmos ao CBD sem sermos explícitos. O produto é fabricado na Califórnia e vem em seringa plástica, naforma de pasta.

Eu me baseei em pesquisas americanas para determinar a dosagem, e funcionou muito bem. Com 76 dias de uso, o meu filho está ótimo. Ele começou a entender a função dos objetos e
está interagindo melhor com as pessoas. Agora, dorme a noite toda e o bruxismo diminuiu. Ele tenta se comunicar com voz, começou a se vestir com mais independência, atende quando o chamamos e compreende quando tem que esperar. Outro dia, até riu do próprio pum – isso era impensável! Em poucos dias, ele mostrou um desenvolvimento que nunca teve em toda a vida. E, o melhor de tudo, é que as crises, que eram diárias, diminuíram muito: em 76 dias, foram apenas seis, bem leves. 

No segundo semestre deste ano, ele poderá ir para a escola. Ainda que não aprenda como os outros, o Benício vai conviver com as crianças, será incluído. Ao manter o CBD na lista de proscritos, a Anvisa deu um tiro no pé, não ouviu os pais que passam por esse sofrimento. Os resultados do uso do canabidiol são tão bons que estimulam a desobediência civil. Eu vou desobedecer. Não existe autoridade no Brasil que me impeça de dar CBD ao meu filho. Sei que importando o produto posso ser condenado por três crimes: tráfico internacional de drogas, articulação por tráfico e por dar a substância para o meu filho. Não tenho dúvida dos benefícios do CBD. Se for impedido de fazer isso, eu imigro para o Uruguai.”

2 comentários:

  1. Que linda demonstração de amor desse pai! Cheguei a me emocionar...

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