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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



segunda-feira, 29 de setembro de 2014

NOTA FOAESP SOBRE AS DECLARAÇÕES HOMOFÓBICAS DO CANDIDATO LEVY FIDELIX

Compartilhando...
Beto Volpe



O Fórum de ONG/Aids de São Paulo, colegiado que reúne mais de cem organizações com atuação na área de Direitos Humanos e Saúde Pública, vem a público lamentar e repudiar as declarações do empresário LEVY FIDELIX, candidato a Presidência da República pelo PRTB, durante o debate ocorrido no domingo (28/09) na TV Record.

O despreparo do candidato se revela não apenas pela sua tradicional arrogância na resposta sobre os grandes problemas nacionais, mas ganha ares de prepotência e ignorância ao fazer ofensas à comunidade LGBT. Fidelix esquece que o Brasil é um dos países onde mais morrem homossexuais do mundo vítimas da violência e da homofobia, não lembra que os Direitos Humanos são universais e devem se estender a todos os cidadãos, ignora que o exercício da sexualidade e orientação sexual é ação individual cabendo ao Estado garantir o mesmo acesso a qualquer pessoa, além de garantir segurança e promover a convivência pacífica da diversidade.

Lamentamos que a esta altura da vida democrática nacional ainda tenhamos candidatos deste quilate ocupando espaços na grande mídia, semeando idéias totalmente retrógradas e preconceituosas. Motivos como estes nos levam a ampliar a mobilização pela criminalização da homofobia e por uma legislação que puna a incitação ao ódio e o estímulo a violência.

Felizmente a baixa densidade eleitoral do candidato revela que suas idéias medievais não encontram respaldo na maioria da população, garantindo a ele um lugar de esquecimento no lixo da história. Enquanto isto, reafirmamos nosso compromisso de luta pelos Direitos Humanos, pelo acesso de tod@s @s  brasileiros e brasileiras a igualdade de tratamento e oportunidades e a construção de uma sociedade cada vez mais igualitária, solidária e pacífica.
 
São Paulo, 29 de Setembro de 2014
Rodrigo Pinheiro
Presidente

sábado, 20 de setembro de 2014

Aranha!!! Aranha!!!

Pessoal, aí vai um lúcido artigo de Tony Bellotto a respeito das atitudes equivocadas que vários setores da sociedade gaúcha vêm demonstrando...
Beto Volpe



Estive recentemente no Rio Grande do Sul e me surpreendi com comentários de parte da imprensa gaúcha, que, de certa forma, tentavam minimizar a gravidade das ofensas racistas da torcedora gremista Patrícia Moreira ao goleiro Aranha, do Santos. Após a torcedora, em prantos, ter declarado à imprensa que chamar o goleiro de macaco não foi uma ofensa racista, e de ter publicamente invocado seu perdão, vários jornalistas em solidariedade começaram a sugerir que Aranha tivesse a “grandeza” de perdoar Patrícia pelas injúrias.

Se chamar um homem negro de macaco não é uma ofensa racista, é o quê?
Uma demonstração carinhosa de admiração e respeito?
É admissível que alguém numa conversa declare: “Realmente aquele macaco do Joaquim Barbosa fez um trabalho excelente no STF”?
Ou: “O macaco do Obama é de fato um orador notável”?
“Mas como é veloz esse macaco do Usain Bolt!”
“A macaca da minha cozinheira prepara uma feijoada inigualável!”
Façam-me o favor!

Chamar um negro de macaco é das piores ofensas racistas que há, ponto final. Entendo que Patrícia esteja morrendo de medo de ser presa e tope qualquer negócio para evitar uma descida às masmorras medievais brasileiras, que, aliás, estão cheias de negros e negras. Compreendo também que Patrícia sinceramente não se considere racista. Muita gente no Brasil acha que chamar um negro de macaco não é racismo. Assim como, para muitos, ofender um homossexual não constitui preconceito ou homofobia. Homens que espancam mulheres também não se consideram misóginos. Isso prova, claro, que além de racistas, preconceituosas e estúpidas, essas pessoas são ignorantes. E não é porque são ignorantes que não devem responder por seus atos.

Sabemos muito bem como funciona o dissimulado racismo brasileiro. Quantas vezes não somos obrigados a ouvir contra a vontade as constrangedoras piadas sobre negros, as abjetas expressões como “preto quando não caga na entrada caga na saída” e as deploráveis insinuações de que a ineficiência de algum servidor negro se explica pela cor de sua pele: “também… olha a cor… esperava o quê?”.

E tudo isso dito por pessoas comuns, gente de “bem” que não se considera racista. Até mesmo negros às vezes se referem a outros de forma preconceituosa, demonstrando uma subserviência patológica e deprimente.

Todos nós conhecemos direitinho como funciona nosso racismo, não somos inocentes.
Há os que dizem que não somos racistas, que nosso preconceito é social, que o que existe é o preconceito do rico contra o pobre, que o preconceito racial não tem como subsistir num país como o Brasil, o “caldeirão de raças” em que todos se misturam com sensualidade, amor, alegria, respeito mútuo, muito samba e muita ginga. Ôlelê!

Será?

Isso me soa como mais uma dessas balelas ufanistas com as quais gostamos de nos iludir, como aquela que diz que somos um povo pacífico.
Negros ofendidos, homossexuais agredidos e mulheres espancadas estão aí para provar que as coisas não são bem assim.

Alguns jornalistas chegaram a citar o fato de Mandela ter perdoado seus carcereiros ao sair da prisão para reforçar a necessidade de Aranha perdoar a torcedora que o chamou de “macaco”. Além de despropositada e ridícula, a comparação é capciosa. Parecem estar querendo culpar o Aranha por insensibilidade e acabam reforçando a ideia racista de que, se ele é negro, com certeza deve ter alguma culpa nessa história.

Muitos alegam que é injusto que Patrícia Moreira responda sozinha por um crime que foi cometido também por outros torcedores no estádio do Grêmio e que não puderam ser identificados pelas câmeras de TV. Discordam de que a moça seja a única responsabilizada por um crime que é praticado diariamente por milhares de pessoas em nossas cidades. Nada disso justifica que Patrícia não seja julgada pela Justiça, e que seu ato, e os dos outros torcedores que ofenderam Aranha, seja repudiado com veemência e que isso sirva de alerta e desestímulo às odiosas manifestações de racismo em estádios de futebol e em toda a sociedade.

Mário Lúcio Duarte da Costa, o Aranha — que aliás ganhou o apelido por suas defesas remeterem às de Lev Yashin, o mítico goleiro russo conhecido como Aranha Negra —, tem demonstrado muita personalidade nesse episódio todo. Expresso aqui minha solidariedade ao goleiro do Santos, que foi enfático e corajoso ao interromper o jogo no momento em que era ofendido pelos torcedores e demonstrou depois magnanimidade nas entrevistas que se seguiram ao evento, afirmando que como cristão ele perdoa Patrícia, mas mantém a convicção de que ela deve responder à Justiça por suas ofensas.

Mais que pedir perdão, os torcedores gremistas dariam um grande exemplo de cidadania se, na próxima vez em que o Grêmio enfrentasse o Santos, eles recepcionassem o goleiro adversário não com gritos de “macaco”, mas de “Aranha! Aranha!”

Tony Bellotto








quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pela polarização PT – PSDB

Pessoal, compartilho entrevista com o cientista político Fábio Wanderley Reis feita pelo Blog do Morris, de Morris Kachani.

Concordo com praticamente tudo que ele diz, mas especialmente nesse trecho: "No caso do Brasil, apesar de sermos presidencialistas, raramente nas eleições para presidente são eleitos membros para apoio adequado no Congresso. Ao invés disso, o mandatário está permanentemente envolvido em barganhas. "

Beto Volpe



Para Fábio Wanderley Reis, 76, um dos principais cientistas políticos do país, a polarização PT – PSDB pode servir de base para a construção de um sistema partidário simplificado e consistente, com um resultado democrático mais sólido, desde que a reforma política entre em pauta, permitindo ao presidente a chance de eleger a maioria no Congresso, sem ter que recorrer ao clientelismo pragmático.

Reis é doutor pela Universidade Harvard e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Enquanto pesquisador, se dedicou a temas como a transição democrática e o processo eleitoral brasileiro. Em sua visão, Marina Silva reúne toda uma série de fragmentos em torno da imagem de um ideário ingênuo e confuso, em conexão com as manifestações de junho de 2013.

“Temos que jogar o jogo democrático eleitoral num quadro que certamente envolve limitação do ponto de vista da qualificação do eleitorado. Vejo no manifesto de apoio a Marina Silva o anseio a um processo político em que presumivelmente haveria governantes sensatos eleitos por eleitores sensatos. Ora, isso não existe”.

“O que é mesmo a Marina? Uma porção de coisas. Ela exerce atração por motivos muito diversos, ela é ambientalista, evangélica, é um Lula em certo aspecto da trajetória de sua vida, sua singular honestidade pessoal é marcada”.

“Marina é sim uma incógnita, mas traz, potencialmente, coisas positivas. E também incertezas. Marina representa a pós-esquerda em certos casos, os reacionários em outros, como se fosse uma derivação mais à direita, acomodada em certos interesses empresariais”.

Reis, que já votou em FHC e de Lula, revela inclinação por Dilma, apesar de todas as reservas. “Não gosto nem um pouco dela como líder e candidata. Dilma revela simplesmente a força do Lula, que transformou em presidente alguém absolutamente inviável, incapaz de se afirmar por si mesma, com dificuldades de se impor inclusive como liderança. Dilma era efetivamente um poste, mas obviamente hoje já tem um certo público fiel”.


Como enxerga o quadro da sucessão presidencial?
A questão é até onde vai a possibilidade do eixo potencial entre PT e PSDB, ajudado por aliados espúrios fiéis ao modelo existente, ou se emergem lideranças de outro tipo, sem conexão partidária mais clara, com eventual ruptura deste modelo. Estamos vivendo um indício muito claro com o surgimento de Marina. O que é mesmo a Marina? Uma porção de coisas, ela exerce atração por motivos muito diversos, ela é ambientalista, evangélica, é um Lula em certo aspecto da trajetória de sua vida, sua singular honestidade pessoal é marcada e faz uma conexão com as manifestações de junho de 2013. Mas tenho uma visão muito restritiva das manifestações.

Por que?
Acho que aquilo foi supervalorizado do ponto de vista do significado da coisa. Nas manifestações com maior concentração de pessoas, chegou-se a um número que representava 0,5 % do eleitorado ou da população. Foi uma movimentação em que o aspecto fútil ficou bem claro em certos instrumentos de mobilização e redes sociais disponíveis. Fútil no sentido de que era uma mobilização sem compromissos reais com objetivos reais. Havia ali de tudo. Um certo antipoliticismo, claramente ingênuo e que não se sustenta, levando impedimento aos partidos. É bem significativo o fato de que isso não teve condições de se aguentar.

E Marina?
Marina foi a única liderança política que escapou e se saiu bem, a coisa da antipolítica ela personaliza bastante. Ela reúne toda uma série de fragmentos em torno da imagem de um ideário que me parece confuso, com o propósito de romper aquilo que ela vem chamando de polarização negativa. Acho um equívoco ver isso como algo negativo.

A polarização não é necessariamente negativa?
Não, acho importante construir um sistema partidário simplificado e consistente, como nos Estados Unidos por exemplo. É preciso claro excluir o presidencialismo de coalizão (termo cunhado por Sergio Abranches). O PMDB é muito poderoso, temos um clientelismo pragmático. No caso do Brasil, apesar de sermos presidencialistas, raramente nas eleições para presidente são eleitos membros para apoio adequado no Congresso. Ao invés disso, o mandatário está permanentemente envolvido em barganhas. Num sistema partidário consistente e simplificado, diferente do presidencialismo de coalizão, um presidente que se elege teria chance de eleger a maior bancada no Congresso.

Como acabar com o presidencialismo de coalizão?
Com uma reforma política, no sentido de fortalecer os partidos. Com a ideia de você tentar restringir a proliferação das famosas legendas de aluguel, legislar no sentido de que tenhamos os partidos controlando as candidaturas. Isso envolve também o voto em listas. Talvez a grande interrogação seja exatamente o que tem havido de positivo na dinâmica que a gente tem vivido, se há condição de persistir este sistema. E aí faz sentido a incerteza da Marina, que é sim uma incógnita, mas traz, potencialmente, coisas positivas. E também incertezas. Ela representa a pós-esquerda em certos casos, os reacionários em outros, como se fosse uma derivação mais à direita, acomodada em certos interesses empresariais. A provável disputa entre duas mulheres (e espero não estar errado), uma branca e outra negra, é claramente positiva em certa ótica. Os EUA demorarão décadas para que algo semelhante possa acontecer.

 A quem declara seu voto?
Como maior de 70 anos, e cientista político, meu voto é irrelevante. Mas apesar de todas as reservas, como liderança pessoal, a Dilma me inspira. Não gosto nem um pouco dela como líder e candidata, ela revela simplesmente a força do Lula, que transformou em presidente alguém absolutamente inviável, incapaz de se afirmar por si mesma, com dificuldades de se impor inclusive como liderança. Dilma era efetivamente um poste, mas obviamente hoje já tem um certo público fiel – no Nordeste por exemplo sua popularidade não se abalou, apesar da entrada da Marina. Preferia ver continuidade no enfrentamento PT X PSDB. O partido que ocupou a posição da social-democracia acabou sendo o PT, com o PSDB sendo empurrado para a direita.

Como se define politicamente?
Procuro entender meu trabalho e a maneira como olho as coisas sobretudo como analista, com certa equidistância e um esforço de acuidade de alguém treinado em ciências sociais e políticas. O que não significa que não tenha simpatias e inclinações, digamos de centro-esquerda. Por exemplo, votei no FHC e na eleição seguinte votei no Lula. Na juventude, como muitos, nutri fantasias de uma esquerda mais radical, mas agora faço uma apreciação mais madura e uma avaliação mais crítica dos equívocos e das fantasias daquele tempo.

Quais são os equívocos e fantasias?
Sem pegar em armas, militei contra a ditadura. Não cheguei a ser preso, mas sofri cassação branca – tive dificuldades em sair do país por exemplo, para defender minha tese de doutorado no exterior. Um ponto saliente nos debates da imprensa são as pessoas que pegaram em armas contra a ditadura, uma certa fantasia que admitia a violência. Na minha experiência como militante do PSB, num certo momento isso se transformou em algo mais radical, um ideário propriamente revolucionário para liquidar o que seria inerente ao sistema capitalista. Sou desde muito tempo, contra a ideia de dissociação entre crime político e crime comum. O fato de ter ideias na cabeça não te dá direito a sair matando. Essa ideia foi posta em prática no exílio do Cesare Battisti.

E quais seriam os equívocos e fantasias de hoje?
Se a gente está comprometido com democracia, temos que jogar o jogo democrático eleitoral num quadro que certamente envolve limitação do ponto de vista da qualificação do eleitorado. Vejo no manifesto de apoio a Marina Silva o anseio a um processo político em que presumivelmente haveria governantes sensatos eleitos por eleitores sensatos. Ora, isso não existe, em qualquer lugar do mundo.

Em qualquer lugar do mundo?
Só que no nosso caso somos singulares, passamos séculos construindo uma sociedade escravista, singularmente desigual. Sabemos que houve escravidão mas não estamos atentos às implicações disso. Temos uma parte majoritária da sociedade amplamente marginal, sem acesso adequados a bens materiais e educacionais.

Os Estados Unidos também passaram pela escravidão.
Só que nos Estados Unidos o sul perdeu a guerra. Aqui a escravidão prevaleceu, se desdobrou e penetrou na estrutura social inteira. Bem ou mal nos Estados Unidos houve uma guerra civil. Aqui, apesar daquela coisa idealizada da miscigenação proposta por Gilberto Freyre, o processo foi mais brando, o que implicou uma permanência e penetração que é singular.

O Brasil avançou muito socialmente, nos últimos anos.
Não é fácil encontrar países com grau de desigualdade como o Brasil.
Mas vejo um período afortunadamente positivo, primeiro com o governo FHC, em seguida com Lula, e nessa ordem. FHC foi importante para depois haver um aprofundamento social por parte do governo Lula. Com isso temos uma certa melhoria. Você se dá conta disso pegando dados sérios como IBGE, emprego, acesso ao crédito, nível do salário mínimo. As universidades que eram branquelas hoje são mulatas, é inegável o avanço. Mas é preciso ver o que tem de limitador, como o acesso precário à educação. Temos uma conjuntura aberta a formas populistas, com o componente fraudulento de manipulação. A operação da democracia se dá em condições sociais precárias. É preciso distinguir o populismo tradicional do elitista, com o povão como massa de manobra. Lula, que bem ou mal é um líder mais autêntico, de origem análoga, revela um compromisso mais nítido com metas sociais. No seu caso poderia se falar de um populismo mais autêntico entre aspas.

Como o marketing político se entrelaça com esta conjuntura?
Claramente sob um aspecto negativo. Você pode encontrar certezas marketeiras que funcionam, há uma certa consistência populista. Tenho usado uma expressão, que é a “síndrome do Flamengo”. Você não tem uma informação minimamente adequada sobre os problemas relevantes da nação para tomar uma decisão eleitoral. Então é como torcer para um time de futebol popular, no fundo não há razão para torcer por este ou aquele time, a não ser por uma imagem popular que se cristalize. E como o lado popular pode trazer ganho material, como a oportunidade de acesso ao crédito ou ao bolsa família, as coisas se somam.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE AIDS: MAIS DO MESMO E MENOS DO NECESSÁRIO

Compartilho reflexões do amigo Liandro Lindner sobre a Conferência Internacional de AIDS recentemente realizada na Austrália. Destaco o seguinte trecho:

"Quem sabe novamente o Brasil recria sua forma nacional de enfrentamento livre de amarras ianques e dá ao mundo uma nova lição de respostas tropicais e efetivas. Mas, para isto, a vontade política é necessária, e se desamarrar das pressões fundamentalistas é um desafio difícil."

E pensar que o atual diretor do Departamento de AIDS no Ministério da Saúde ficou chateado e até terminou nossa 'amizade' no FB só porque eu chamei suas práticas de nazistas. 

Ô, dó...

Beto Volpe



Pela vigésima vez a Sociedade Internacional de Aids (IAS) promove a Conferência Internacional de Aids, desta vez na cidade de Melbourne, na costa sul australiana. Cerca de 14 mil pessoas entre pesquisadores, ativistas, cientistas, representantes de governo e de laboratórios, pessoas vivendo com Aids e co-infectados com tuberculose e hepatites virais, entre outros, formaram a massa diversa que coloria os corredores do local do evento. Na gama de atividades que a conferência oferece, tanto na parte oficial nos auditórios e salas de reuniões, como na parte destinada a atividades da sociedade civil, o chamado “Global Village”, temas diversos eram discutidos e enfocados a partir do ponto de vista de quem promovia a discussão. Falada exclusivamente em inglês, sem tradução e sem preocupação com o entendimento de centenas de pessoas não falantes deste idioma, a conferência pareceu selecionar bem pra quem quer falar e o que quer destacar.

     Sendo impossível reunir num só texto todo o mar de reflexões e informações lá repassadas, tento sintetizar aqui cinco tópicos que considerei mais relevantes, a partir de meu ponto de vista, correndo sempre o risco de deixar de lado algo importante.

1-     REMÉDIOS A VISTA

A conferência de Melbourne deixa claro que o caminho medicamentoso é o que mais se vislumbra num futuro próximo como enfrentamento à Aids. A tendência de se entender como prevenção atividades de uso contínuo de medicamentos cresce e se apresenta como alternativa viável para conter novos casos. Os que defendem este ponto de vista alertam que tal medida democratizaria o acesso a medicamentos que hoje estão restritos a quem consegue comprá-los e que seriam um elemento a mais no “cardápio das opções” de insumos de prevenção. Do outro lado os críticos destacam que os efeitos colaterais do uso destes medicamentos, em largo espaço de tempo, podem prejudicar mais o organismo além de transmitirem uma sensação falsa de “liberalidade” que o uso das pílulas pode passar.

A tal “falência” do preservativo parece ser um argumento pouco consistente pra justificar a medicamentalização da prevenção, o que sem dúvida seria um caminho mais fácil visto que mergulhar na realidade das populações mais atingidas (agora chamadas de populações-chave) entendendo seu funcionamento, seus limites e seus vácuos entre a informação e a prática, exige tempo, recursos e vontade política.

2-     A ÁFRICA É O CAMINHO

Ficou evidente que as ações e financiamentos visando o controle da Aids no âmbito mundial terão como foco o continente africano nos próximos anos, ou décadas. Beirando os 70% de casos do mundo, esta região chama a atenção e exige respostas mais urgentes, apesar dos vários anos de grandes investimentos desaguados por lá. Das 33,5 milhões de pessoas que vivem com Aids no mundo, mais de 20 milhões estão ali. Em todo o planeta apenas pouco mais de 10 milhões estão em tratamento, sendo o grande vácuo nos países africanos, na Ásia e na America Latina e Caribe (sendo este continente totalmente esquecido dos debates da conferência). O Brasil está parece estar fora do mapa de recepção de recursos internacionais e várias agências e organizações com representação no país fecham suas portas e migram para o outro lado do oceano.

Apesar das imensas dificuldades que se vive no Brasil a impressão que se tem no resto do mundo é de que aqui “o problema está resolvido ou no mínimo controlado”. A imagem de país em desenvolvimento ganha força e faz com que passemos da condição de receptores para a de doadores de tecnologias, experiências e até recursos para países em piores condições. Por outro lado o protagonismo em ações ousadas, visando à população em geral e especialmente públicos vulneráveis que foram marco da resposta nacional no passado, está hoje apenas na memória mundial, como uma referência de algo que aconteceu. A falta de estampas das campanhas no estande brasileiro foi uma ilustração disto.

3-     CIÊNCIAS SOCIAIS NÃO VIERAM

Outro ponto de destaque, no meu entender, foi a ausência de debates que fossem além da ciência básica, avançassem para os pontos de vista sociais e tentassem entender o andamento da epidemia em populações e regiões. As sessões plenárias- espaço mais nobre da conferência, ocorrem sempre no início dos dias, em grandes auditórios reunindo mais de duas mil pessoas e sendo transmitidas em telões, que dão o tom da discussão que se desdobra na programação diária. Na grande maioria delas o que se notou foram apresentação de dados, evolução de pesquisas, constatações parciais e algumas óbvias (“ao final concluímos que é preciso incrementar ações para ampliar a adesão ao tratamento”).

Por parte da sociedade civil se viu depoimentos muito ricos, emocionados, de superação e de força num trabalho difícil. A prostituta de Uganda emocionou ao contar de sua batalha pela vida e superação que a levaram a aprender inglês sem ajuda e a alcançar um título acadêmico sem largar o trabalho sexual. O ativista filipino pediu vacinas contra a intolerância, pílulas anti-ódio, condón que protegesse da violência. Todos muito aplaudidos.

Faltaram, porém, experiências mais contundentes do movimento comunitário em respostas criativas e de resultado efetivo, houve ausência de entendimentos além do visto em microscópios para demonstrar o efeito da Aids nos grupos e na comunidade, e ficou o vácuo de um link entre a sociedade e a ciência, como alternativa de mútuo entendimento e busca de respostas. Como disse um médico brasileiro num encontro de corredores, “as ciências sociais nesta conferência estão do outro lado da rua”, talvez numa mesa de bar ou num banco de praça observando os caminhos e desenhando entendimentos.

4-     REDUÇÃO DE DANOS “PERO NO MUCHO”

Talvez tenha sido a conferência em que o tema esteve mais presente, embora parcializado. A grande referência ao uso de drogas no cenário internacional ainda é o uso injetável. O uso de opiáceos (derivados do ópio, como heroína ou morfina)nos países da Ásia e Leste Europeu é muito grande gerando quadros dramáticos como o caso da Coréia do Norte com elevados registros de overdoses e mortes por ano.  Na Austrália o uso que mais cresce é de comprimidos de oxicodona, um opiáceo comercial traficado a partir de prescrições médicas a pacientes com dor crônica. Os recursos, no entanto, destinados a estas ações são muito enxutos e insuficientes para ampliar o acesso a usuários e minimizar os danos em relação a Aids, hepatites e outras doenças.

Realidades envolvendo a Aids e drogas mais próximas das vividas no Brasil não apareceram em Melbourne. Pouco se falou em maconha, quase nada em crack e o álcool – a principal droga causadora de danos ao organismo e custos ao sistema de saúde nacional - não recebeu qualquer referência nos cinco dias da conferência. O imaginário social de que Redução de Danos está somente ligada a drogas injetáveis passa as fronteiras do Brasil e atinge níveis internacionais. Falar de técnicas de minimização de prejuízos com outras drogas soou como novidade para grande parte dos delegados da conferência.

5-     CADA UM NO SEU QUADRADO

           Finalmente chamou a atenção o crescimento de outros temas relacionados à Aids que tiveram relevância, do meu ponto de vista, maior que em outros encontros deste vulto. Com o crescimento dos índices de infecção entre mulheres africanas e asiáticas, e a prática cultural local de se ter vários filhos, o debate sobre tratamento infantil ampliou seu espaço. Também cresceu a dimensão das discussões envolvendo a população trans, e o mote dos debates ia além de questões de saúde, abordando direitos humanos, protagonismo e participação nas decisões. Houve um generoso espaço para debates envolvendo Aids e Tuberculose, doença que mais mata pessoas soropositivas no mundo e afeta uma em cada cinco pessoas que vivem com Aids no planeta. Num conjunto de estandes foram realizadas discussões interessantes que iam à busca de soluções para detecção, tratamento e adesão e aprofundavam a necessidade do andamento conjunto de questões sociais e sanitárias para busca de soluções.

            Embora a sensação de que houve poucas novidades fosse comum na maioria dos participantes, o que se viu foi um retrato fiel - mesmo que pouco agradável - do andamento das respostas globais. Os organismos de representação e diplomacia dos países já tem sinalizado há muito com resistências em alguns setores, principalmente em relação a direitos humanos e ao respeito à diversidade, o que passa a dar um olhar diferente a resposta mundial em relação à Aids. Parece-me que a força de trabalho e de consumo dos países super populosos ganha um destaque maior do que a luta por vidas humanas livres para escolhas. Os países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representam importante peso na epidemia da Aids no mundo e o tema pouco é falado em suas reuniões. Quem sabe novamente o Brasil recria sua forma nacional de enfrentamento livre de amarras ianques e dá ao mundo uma nova lição de respostas tropicais e efetivas. Mas, para isto, a vontade política é necessária, e se desamarrar das pressões fundamentalistas é um desafio difícil.

Liandro Lindner é Jornalista FreeLancer, Professor e Doutorando da Faculdade de Saúde Pública da USP


domingo, 14 de setembro de 2014

O que é isso, Marina?

Pessoal, reproduzo abaixo artigo de Jean Wyllys sobre os princípios utilizados na campanha de Marina Silva, de que o anti cristo estará agindo nas próximas eleições.

Beto Volpe


ASSUSTADOR! O esgoto eleitoreiro já começa a vazar de maneira repugnante nessa reta final de campanha. Na zona oeste do Rio de Janeiro, um exército de fiéis recrutados como voluntários por igrejas evangélicas fundamentalistas está distribuindo um material de campanha tão bizarro quanto criminoso e assinado pelas campanhas de Marina Silva para presidenta, Ezequiel Teixeira para deputado federal e Édino Fonseca para deputado estadual (sendo este último quem se responsabiliza com seu CNPJ eleitoral, 20583168000184, pelo material): milhares de revistas de 24 páginas em cores acompanhadas de um DVD com MENTIRAS e FALSIDADES acerca de LGBTs, no sentido de estimular o ódio e a violência contra estes, mas também com DETURPAÇÕES acerca das pautas dos movimentos feministas e negro com intuito de prejudicar a candidatura da presidenta Dilma.
Para quem está duvidando dessa sujeira, aqui está o link para a digitalização que fiz do material difamatório para usá-la como prova quando acionar a justiça eleitoral no intuito de que essa porcaria seja apreendida e seus responsáveis sancionados de acordo com a lei. https://www.dropbox.com/s/qjo7q91eb7btmz6/Fonseca-Teixeira-Marina.pdf?dl=0
Na capa, a revista com Fonseca, Teixeira e Marina anuncia: "Veja os planos do anticristo: nova ordem mundial contra a família e a igreja" (a palavra "Veja" é escrita com a mesma tipografia usada pela revista da editora Abril), e depois enumera: "eutanásia, mercado do feto, prostituição de menores, carícias de homossexuais em lugares sagrados...", etc. Misturando um discurso religioso da época da Inquisição (com repetidas alusões ao "anticristo") e uma linha argumentativa que lembra a propaganda nazista contra os judeus (no caso, em vez dos judeus, o "inimigo" apontado é composto por homossexuais, prostitutas, ateus, comunistas, "abortistas", usuários de drogas e o governo Dilma), a publicação descreve uma conspiração satânica internacional para a criação de uma "nova ordem mundial" que pretende "se rebelar contra Deus" e "dominar a mente do povo com a legalização das drogas", acusa o governo do PT de querer legalizar a eutanásia para "matar os mais velhos" e o aborto para provocar um "extermínio" e comercializar os órgãos dos fetos abortados (!).
O delírio é tal que a revista traz uma tabela de preços do "mercado do feto" e diz que a legalização do aborto provocará um aumento da pedofilia, porque as meninas estupradas serão obrigadas a abortar para esconder o crime.
Nas páginas seguintes, a revista ataca a regulamentação da prostituição, relacionando-a também, com extremo cinismo e má fé, à pedofilia (como se o abuso sexual de crianças pudesse ser equiparado à prostituição exercida por pessoas adultas!); diz que a criminalização da homofobia permitirá que os gays pratiquem sexo dentro das igrejas; refere-se a gays, lésbicas e transexuais como doentes mentais; ataca com argumentos igualmente toscos a proposta de legalização da maconha e até diz que existe um plano do "anticristo" para dominar a água e os alimentos.
Quase todas as páginas da publicação são dedicadas a atacar meus projetos e os de outros parlamentares progressistas e comprometidos com os direitos humanos, embora não nos mencione expressamente, mas o alvo explícito da publicação é o governo Dilma, que seria, de acordo com a publicação, o principal representante no Brasil da rebelião mundial comandada por Satanás.
A publicação faz uma relação direta entre o "plano do anticristo" e as eleições de 5 de outubro: para impedir a vitória do Demônio, os eleitores deveriam votar em Marina Silva para presidenta e em Teixeira e Fonseca para os parlamentos federal e estadual. Na última página, a publicação traz uma foto em cores dos três candidatos, com a logo da campanha de Marina destacada no centro.
Uma pergunta que não quer calar é: quem pagou por tudo isso? Por todo esse lodo?
Eu gostaria de saber se Marina Silva sabe que seu nome está sendo usado nessa campanha suja, abjeta e evidentemente criminosa. Fonseca é candidato pelo PEN, uma legenda de aluguel de ultra-direita que faz parte da coligação de Aécio Neves, da mesma forma que o partido Solidariedade, formado por parlamentares que decidiram sair das legendas pelas quais se elegeram, entre eles Teixeira. Ambos fazem parte, também, da coligação estadual que apoia o governador Pezão, que por sua vez é do PMDB, aliado à presidenta Dilma, mas que também faz campanha por Aécio. Contudo, Fonseca e Teixeira fazem campanha por Marina — e juntos, apesar de suas candidaturas proporcionais não estarem coligadas.
Além de ser incompreensível e causar confusão a qualquer eleitor, essa esquizofrenia eleitoral também é ilegal, já que um candidato proporcional (ou seja, a deputado federal ou estadual) não pode citar em seus materiais de campanha o nome de um candidato majoritário (ou seja, presidente ou governador) que não seja o de seu partido ou coligação. Porém, para as gangues da velha política corrupta do nosso querido país, vale tudo!
Será que Marina, ou sua coordenação de campanha concordaram com essa sujeira e "deixaram" que ela fosse feita porque, na reta final, tudo o que servir para somar votos é bem-vindo, mesmo que provenha do esgoto político e da baixaria mais imperdoável? Ou será que Fonseca e Teixeira estão usando o nome de Marina sem a anuência dela porque acham que a figura da candidata do PSB pode ser mais atraente para o eleitorado evangélico fundamentalista que pretendem conquistar que o do liberal Aécio?
Seja como for, Marina deveria se perguntar por que o nome dela pode ser associado a esse discurso fascista. Será por que seu discurso, em vez de questionar, à esquerda, as falências do governo Dilma, como muitos dos seus eleitores progressistas de 2010 esperavam, é cada dia mais reacionário, aproximando-a da linha discursiva da revista Veja (que essa semana saiu em defesa dela), do Círculo Militar (que se declarou esperançoso com a sua candidatura), dos pastores que pregam discurso de ódio contra a população LGBT e dos setores mais conservadores da sociedade, que podem se sentir representados pela propaganda de Fonseca e Teixeira?

Marina deveria preparar um café, sentar no sofá e, com calma, refletir sobre o que está fazendo ou sobre o que estão fazendo com o nome dela. E você, eleitor, eleitora, deveria pensar com qual Brasil você sonha. O fundamentalismo está aí, virando a esquina, e dá medo.
Jean Wyllys
Deputado Federal pelo PSOL