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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quarta-feira, 22 de julho de 2015

Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil tem nova data para entrar em vigor

Ainda não tomei ciência do teor da Lei, mas se for a que estava emperrada há anos no Congresso, entre outras coisas ela regulamenta um tratamento diferenciado entre ONGs de grande e pequeno porte para com o poder público. Uma das maiores dificuldades enfrentada pelas organizações da sociedade civil é o entulho burocrático absolutamente incompatível com suas estruturas.
Beto Volpe



Nesta quarta-feira (22/07), a presidenta Dilma Rousseff editou a Medida Provisória nº 684, com o objetivo de prorrogar o prazo para entrada em vigor da Lei 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Assim, a Lei passa a valer a partir de janeiro de 2016.

A medida responde a solicitações de órgãos públicos, associações de municípios e representantes da sociedade civil que, ao mesmo tempo em que reconhecem os avanços da lei aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2014, manifestaram-se pela extensão do prazo para garantir amplo conhecimento das novas regras e preparação para a gestão das parcerias. O novo regime demanda mudanças estruturais da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, assim como das próprias organizações da sociedade civil.


De acordo com a Medida Provisória nº 684, a Lei 13.019/2014 passará a vigorar após 540 dias de sua aprovação, que aconteceu em julho de 2014. Ou seja, haverá mais 180 dias, a partir de agora, para os entes públicos se adaptarem às novas regras, adequando legislações específicas e estruturas administrativas. A entrada em vigor coincidirá com o início da execução do orçamento de 2016.

O novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil estabelece um conjunto de regras próprias para as parcerias realizadas entre o Poder Público e as organizações, reconhecendo a especificidade das entidades privadas sem fins lucrativos. É uma norma estruturante de abrangência nacional – vale para União, estados e municípios - e exige tempo para adaptação. A extensão do prazo para a entrada em vigor se mostrou fundamental para que essa nova arquitetura jurídica e institucional se desenvolva da forma adequada, com tempo para compreensão e adaptação por todos os envolvidos.

Fonte: CMAS de São Vicente

sexta-feira, 8 de maio de 2015

“Molécula-Abridora” do HIV expõe as partes mais vulneráveis do vírus; o que significa um “possível desenvolvimento de uma vacina. ”

Pessoal, há muito tempo não tenho o prazer de publicar notícia tão alvissareira como essa que me foi passada pelo grande Cláudio Souza em seu site
Deliciem-se!
Beto Volpe



Ao testar uma molécula desenvolvida recentemente, JP-III-48, em amostras de sangue de pacientes HIV-positivos, os pesquisadores da Universidade de Montreal, no Canadá observaram algo inovador. A molécula tinha a capacidade de abrir o HIV “como uma flor.” Embora este achado ainda esteja em seus estágios iniciais, a equipe espera que possam definir uma base para novas medidas preventivas e, possivelmente, mesmo uma maneira de eliminar o vírus de pessoas já infectadas pelo HIV.
Parte da razão pela qual os cientistas encontram uma grande dificuldade em criar uma vacina para o HIV é que o vírus tem uma maneira única de escapar ao sistema imunológico. Embora o hospedeiro crie anticorpos contra o HIV, não existe uma maneira de alcançar fisicamente o vírus, é difícil para o corpo humano montar uma resposta imune efetiva contra ele. Um estudo recentemente publicado pela Academia Nacional das Ciências, sugere uma maneira de contornar as defesas do HIV.
O vírus é semelhante a um pacote hermeticamente fechado. Descobrir uma forma de ”abrir” o HIV permitiria que os anticorpos cheguem a regiões mais vulneráveis do vírus e eliminem, assim, a infecção.
Harvard e a Universidade da Pensilvânia os pesquisadores desenvolveram JP-III-48, mas em Montreal, Canadá, pesquisadores foram os primeiros a testar com sucesso em pacientes HIV-positivos. A molécula imita a CD4, uma proteína localizada na superfície dos linfócitos T. A proteína CD4, que dá seu nome às células específicas do sistema imunológico que o HIV infecta, funciona como uma porta de entrada para as células T e permite que o HIV entre e infecte as células. Foi em Montreal o primeiro estudo em que os pesquisadores adicionaram a molécula JP-III-48 em pacientes infectados com HIV-1 (a forma mais comum do vírus) e testemunhou-se a “abertura das estruturas virais como flores”.
“A adição da pequena molécula viral envolve as forças necessárias para abrir o vírus como uma flor “, disse o autor do estudo, Jonathan Richard, explicando em um Comunicado à Imprensa. A molécula força o vírus a expor as partes que são reconhecidas por anticorpos do hospedeiro. Os anticorpos e, em seguida, cria uma espécie de ponte com algumas células do sistema imune e forma um ataque. “Os anticorpos que estão presentes naturalmente após a infecção podendo direcionar as células infectadas pelo vírus para que elas sejam mortas pelo sistema imunológico,” acrescentou Richard.
Vírus HIV
Representação gráfica do HIV “aberto”.
Até agora, os efeitos da molécula JP-III-48 sobre o HIV só foram observadas no soro de pacientes HIV-positivos, mas os pesquisadores esperam que em breve o teste desta “molécula-abridora” em primatas com uma versão símia do vírus.
Os pesquisadores especulam que esta descoberta poderia ter enorme potencial em pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV/AIDS. Outro fator que torna tão difícil a luta contra o HIV é que, mesmo se eliminando o vírus totalmente da corrente sanguínea, restam vestígios ainda latentes do HIV em reservatórios, à espera de retornar assim que cessa o tratamento.
A equipe acredita que a “molécula-abridor” possa desempenhar um papel importante na superação desta defesa viral. Se os cientistas puderem desenvolver uma forma de “patrulha-choque” contra os vírus, de forma a força-los a deixarem seus reservatórios eles podem ser mortos usando a “molécula-abridora” como na estratégia explicada no início deste artigo, utilizando os anticorpos que o organismo é capaz de gerar.
Fonte do artigo original:
Source: Richard J, Veillette M, Brassard N, et al. CD4 mimetics sensitize HIV-1-infected cells to ADCC. PNAS. 2015.

terça-feira, 5 de maio de 2015

O velhinho maluquinho

Compartilho com vocês texto de Jean Wyllys que expressa meu sentimento com relação ao Velhinho Maluquinho. (o título do texto neste blog é de minha autoria, uma vez que ele não existe em seu original na página de Jean do FB.
Beto Volpe




Fiquei muito triste pelas atitudes homofóbicas do antropólogo Roberto DaMatta e o cartunista Ziraldo, duas pessoas cuja obra (acadêmica, no primeiro caso, e artística, no segundo) tem sido importante para compreender e representar o Brasil. Para quem não tiver lido as notícias sobre eles, seguem os links:




Sempre admirei muito o trabalho do Roberto DaMatta e, por isso, escrevo essas linhas com tristeza. Sou contra os "linchamentos virtuais", mesmo quando eles começam (na opinião de quem os inicia) por uma "boa causa", e por isso não quero que minhas palavras deem espaço a isso (por isso, também, comentários ofensivos no post ou insultos a qualquer um deles serão deletados), mas não posso deixar de dizer o quanto lamento que um intelectual que sempre respeitei — e cujas etnografias têm sido tão importantes para interpretar o Brasil e sua cultura popular, assim como sua leitura de Tocqueville é importante para compreender e debater a democracia — seja capaz de mostrar um preconceito homofóbico tão desumano. Parece que ele não leu sua própria obra. Conheço o Roberto; ele sempre me tratou muito bem e nunca me pareceu que a minha orientação sexual fosse um problema para ele, mas a gente nunca conhece inteiramente as pessoas e nunca sabe quando seus preconceitos inconfessáveis podem aflorar. O relato de Paulo Betti, que não foi desmentido por DaMatta, é realmente chocante! É uma ofensa gratuita a todos nós!

No caso do Ziraldo, confesso que não me surpreendeu. Dez anos atrás, quando eu ainda não era deputado, ele se recusou a compor uma mesa comigo na Feira do Livro de Porto Alegre e os organizadores me contaram que era por causa da minha sexualidade. Na época, preferi não fazer público o acontecido, porque avaliei que acabaria dando lugar a mais um escândalo midiático sem qualquer resultado positivo, mas a partir daquele momento ele se apequenou para mim. Qualquer talento e contribuição para a cultura que ele tenha dado perdeu o brilho para mim, porque por trás dela havia uma pessoa doente de ódio, que não conseguia dividir uma simples conversa com outra pessoa por conta de sua sexualidade. Mas o tempo passou e olhem que ironia: Ziraldo é o autor da logo do PSOL, partido pelo qual esse cara com quem ele não quis sentar na mesma mesa se elegeu e reelegeu deputado. O sol dele, talvez contra a sua própria vontade (já que a criação sempre diz mais do que o criador queria dizer), ilumina um partido que tem o único parlamentar homossexual assumido do Brasil..

Pois é, o criador tem muito o que aprender com sua criatura (como ilustra a imagem deste post, retirada de uma cartilha publicada em 2010 pelo MEC e pela Secretaria de Direitos Humano, ilustrada por Ziraldo:http://bit.ly/1QgHTPs ). 

Não conheço os termos usados por DaMatta para se referir à representação de homossexualidade feita por Paulo Betti — o ator não divulgou o conteúdo exato da fala, mas se referiu às expressões do antropólogo como "muito violentas". Mas não é mera coincidência que DaMatta e Ziraldo se refiram à visibilidade de gays e lésbicas em telenovelas, o principal produto cultural consumido pelos brasileiros. Em ambas as falas, nota-se a expressão daquela homofobia que, por um lado, prescreve a "tolerância" em relação em relação aos homossexuais, mas, por outro, considera que a heterossexualidade é a única a merecer o reconhecimento da sociedade por meio da livre e onipresente representação nas telenovelas e, por conseguinte, a única prática sexual e afetiva a ser institucionalizada. DaMatta e Ziraldo são daqueles intelectuais que falam em "tolerância", mas que se mostram intolerantes em relação à saída da homossexualidade da privacidade e do silêncio onde eles imaginam que esta deve estar confinada. Para ambos, a única sexualidade que pode vir a público — seja na troca de afetos em bares, restaurantes e casas de shows, seja por meio da representação audiovisual — é a heterossexualidade. Daí o fato de Ziraldo e DaMatta desrespeitarem não apenas dois artistas importantes, mas também os gays e lésbicas que certamente mantêm algum tipo de relação com ambos (além do desrespeito a toda comunidade LGBT). Essa forma de homofobia se revela particularmente nefasta porque deseja retroceder em relação às conquistas democráticas e nos empurrar para o armário. 

Desculpem-me, Ziraldo e DaMatta, para o armário eu não volto, tampouco para o silêncio! Vocês terão de conviver com pessoas como eu, agora capazes de desmascarar seus discursos nos espaços que vocês imaginavam que eram exclusividade de pessoas como vocês!

Jean Wyllys

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Prevenção em aids no Brasil: depois do terror, a trapaça

Compartilho com vocês artigo do professor Mário Scheffer que faz sérias reflexões sobre os descaminhos da atual gestão em AIDS do Ministério da Saúde.
Beto Volpe



A recente criação de perfis falsos em aplicativos de encontros sexuais, em campanha de prevenção à aids patrocinada pelo Ministério da Saúde, deve ser motivo de reflexão. Não se sabe se foram muitos os usuários de smartphones “caçados” pelo perfil mentiroso que se identificava como alguém em busca de sexo sem proteção para, em seguida, revelar que o “caçador” era o Ministério da Saúde advertindo que “é difícil saber quem tem HIV” e convocando para a prevenção.

A suposta inovação, de promover o preservativo em plataforma de paquera digital dedicada aos mais jovens, é na verdade uma iniciativa antiquada, ao valer-se de tática sub-reptícia, de buscar, de maneira desleal e obtida por embuste, a adesão do jovem à camisinha. Certamente, mais irritou do que convenceu.

A curta duração e a baixa cobertura das campanhas de prevenção em aids do Ministério da Saúde reduzem os danos potenciais (no mínimo, há desperdício de recursos públicos) que peças equivocadas como essa podem provocar, mas não escondem a política errática de comunicação em saúde da atual gestão do programa nacional de aids.

Não foi uma boa ideia usar a trapaça na prevenção. Soou como uma versão “moderninha” do terror levado a campanhas de vinte anos atrás, sob o governo Collor, quando o Ministério da Saúde igualou a aids à morte, o que afastou os sujeitos do cuidado e levou à discriminação ainda maior das pessoas que viviam com HIV. A emboscada dos perfis falsos nada mais é do que a volta, com outra roupagem, do terror na prevenção.

A reemergência da epidemia da aids no Brasil (Grangeiro, Castanheira, Nemes) e a vergonhosa omissão, anos a fio, dos programas governamentais em relação à concentração da infecção pelo HIV entre jovens gays e outras populações requerem medidas sérias, abrangentes, sustentadas e baseadas nas mais atuais evidências científicas.

Pesquisadores, gente da academia e da sociedade civil, defendem a convocação pelo Ministério da Saúde de grupo de especialistas para a elaboração de um Consenso Nacional de Prevenção em HIV e Aids.

Um consenso com diretrizes que assumam a prevenção adaptada a diferentes pessoas e a diferentes populações, que assumam a prevenção combinada, conjugando o uso facilitado de preservativo e gel lubrificante, com o tratamento universal, a profilaxia pré e pós exposição ao HIV, a ampliação da oferta do teste rápido para os mais vulneráveis, mas também campanhas e ações baseadas em estudos comportamentais e em modelos já validados pela comunidade científica.

Um consenso guiado pela franca noção de que fracassou a prevenção baseada apenas no mantra “use camisinha” em todas as relações sexuais durante a vida toda, assim como fracassará o comando único “faça o teste, inicie o tratamento”.

O que se espera são diretrizes fundadas na garantia da livre escolha sobre as opções disponíveis de prevenção, que permita que as pessoas conheçam aquilo a que têm direito, tomem suas próprias decisões e, depois, tenham acesso assegurado a todas as oportunidades de proteção.

Um consenso de prevenção em aids seria uma importante ferramenta de gestão do Ministério da Saúde e, se descentralizado, poderia contribuir com a redução do número de infecções e mortes hoje em patamares inaceitáveis.

Surdo a críticas e sugestões, o programa nacional de aids tem preferido iniciativas pontuais improvisadas, que visam provocar polêmica ou lançar cortina de fumaça diante da ausência de uma política clara de saúde coletiva, construída, como no passado, em conjunto _ por técnicos, cientistas, gestores e ativistas.

A constatação de pesquisa divulgada em 2015 pelo Ministério da Saúde, que pelo menos 45% da população sexualmente ativa do país não usou preservativo nas relações sexuais casuais nos últimos 12 meses, deveria mobilizar esforços extraordinários para atualização da política nacional que inclua de forma articulada todas as tecnologias e novos conhecimentos sobre prevenção. Dar “puxão de orelha”, por meio de perfis falsos em aplicativos, em pessoas que não se importam em fazer sexo sem camisinha, é passar longe da realidade da epidemia no país.

Até mesmo na propaganda comercial, o truque conhecido como “publicidade de choque” gera controvérsias éticas. Na saúde, as publicidades de choque e baseadas na desconfiança ou ameaça, como a dos perfis falsos, são um desastre. Os mesmos terrorismo e medo (e sua versão atual, a trapaça) das campanhas antigas de aids já foram usados para condenar o consumo de drogas, o que também afastava o usuário e o dependente químico das mensagens.

No Brasil, a comunicação em aids tem histórico de diálogo difícil com a publicidade e o marketing. Agências de publicidade mercadológica são licitadas para divulgar a agenda positiva do Ministério da Saúde, promover o ministro de plantão, turbinar programas e realizações, mas nada entendem de promoção da saúde.

A situação piorou desde a centralização e censura prévia das campanhas de aids no gabinete do Ministro da Saúde, após acerto com setores conservadores, e foi agravada com o desmonte de corpo técnico qualificado em comunicação e prevenção que atuava junto ao programa de aids.

O debate pouco tem a ver com o falso dilema do direito individual versus direito da coletividade, como fez divulgar o programa nacional de aids, ao defender o uso dos perfis falsos em aplicativos.

Trabalhos científicos já demonstraram que ações prescritivas e pouco transparentes de comunicação em saúde, por serem inócuas, devem dar lugar a programas que valorizam as culturas, as escolhas pessoais, as relações sociais e a participação ativa daqueles diretamente afetados pelos problemas de saúde.

Mensagens de prevenção tendem a ser mais efetivas não quando enganam e constrangem em prol do coletivo, mas quando chegam perto das pessoas e utilizam mensagens baseadas na confiança mútua.

Na França, o Instituto Nacional de Prevenção e Educação para a Saúde – INPES, elaborou diretrizes baseadas no fato de que comunicar sobre saúde é comunicar sobre um forte valor no plano social e, por isso, governos não podem ser intrusivos, normativos, não podem ir contra as liberdades individuais, nem devem impor visão de mundo ou modo de vida. Dentre os princípios éticos das campanhas de prevenção, o INPES destaca que é preciso respeitar as escolhas de cada um, não estigmatizar comportamentos individuais de risco, não marginalizar, não culpabilizar, não impor uma norma social caracterizando bom e mal comportamento.

Além disso, uma campanha de saúde não deve informar ou alertar sobre riscos sem propor todas as soluções possíveis. Deve, sim, incitar a reflexão do destinatário da mensagem, que lhe seja própria e respeite sua autonomia, suas crenças e sua responsabilidade. Deve levar em conta as desigualdades de acesso à informação e a diversidade de códigos culturais. E precisa, por óbvio, sustentar e acompanhar a possível decisão de mudança, dar meios de o sujeito agir e de colocar os conselhos em prática.

Uma campanha de prevenção em aids dificilmente se sustenta com um “estalo genial” de publicitário, assessoria de imprensa e lançamento em escola de samba. É trabalho árduo de promoção, planejamento e avaliação em saúde. Segundo o Centro para Programas de Comunicação da Johns Hopkins um projeto de comunicação em saúde deve seguir seis passos: 1) investigação e análise, 2) desenho estratégico, 3) desenvolvimento, produção e revisão de instrumentos e métodos de comunicação, 4) gestão, implementação e monitoramento, 5) avaliação de impacto, 6) planejamento para a continuidade.

Nada disso é feito nas campanhas relâmpago e sazonais de aids do Ministério da Saúde.

A Unidade de Promoção da Saúde da Universidade de Toronto, Canadá, demonstrou que as estratégias de comunicação em saúde avaliadas como mais eficazes trazem uma combinação simultânea de campanhas de mídia, comunicação interpessoal e envolvimento das comunidades e lideranças.

Modelos de comunicação em saúde foram experimentados com sucesso em países das América Latina. Por exemplo, o modelo de “difusão de inovações”, que utiliza agentes sociais como geradores de mudanças, foca na influência interpessoal nas decisões individuais e na criação de redes de comunicação; ou o modelo de “comunicação para a mudança social” , que prevê o diálogo e a participação da comunidade em todos os processos da comunicação em saúde. (Mosquera)

É relativo e limitado o sucesso de campanhas e técnicas de comunicação focadas na persuasão para a mudança de comportamentos (Petty et al). Algumas campanhas de saúde servem para mudar conhecimentos, para sensibilizar, mas nem sempre são suficientes para mudar comportamentos conducentes à prevenção em saúde.
Num estudo clássico de prevenção do tabagismo (Peterson et al), a probabilidade de fumar aos 17 anos não foi menor entre aqueles submetidos a 65 peças de sensibilização entre 8 e 17 anos, se comparados com aqueles que não passaram pelas mesmas mensagens.

Outro estudo (Albarracin et al) analisou mais de 350 campanhas de prevenção em aids em oito anos. Concluiu que as campanhas são eficazes para mudar o conhecimento mas não são suficientes para mudar imediatamente o comportamento.

A comunicação em aids, enquanto instrumento de prevenção, precisa, portanto, beber em outras fontes.

Isso vem sendo dito há muito tempo por autores como Vera Paiva, alertando que a memorização e a compreensão de argumentos de uma campanha não determinam a intenção de se comportar, e que é preciso incorporar na prevenção os conhecimentos dos campos da análise cultural e da pesquisa psicossocial; e por José Ricardo Ayres, apontando que os comportamentos associados à maior vulnerabilidade não são decorrência imediata da vontade pessoal. A meta das ações de comunicação em saúde, que é tocar indivíduos e comunidades, não pode menosprezar o poder dos grupos sociais e as condições nas quais os comportamentos acontecem. E dificilmente, lembra Ayres, alguém irá assumir comportamentos protetores e solidários sem que se torne primeiro sujeito de sua própria saúde.

Campanhas e ações de prevenção dirigidas aos mais vulneráveis devem incluí-los em todo o processo de comunicação e são especialmente sensíveis: jamais podem estigmatizar e discriminar. Focalizar sem discriminar, eis um grande desafio da comunicação contra a aids. É abdicar da equidade em saúde deixar de executar uma política de prevenção adequada à nossa epidemia concentrada. É violação de direitos deixar de envolver determinadas populações e grupos, informando primeiro que eles são mais atingidos pela aids, e construindo, com eles, alternativas e possibilidades.

Parece que o programa nacional de aids voltou às trevas no entendimento de que a comunicação é apenas a ação de transmitir informações e ideias de um polo emissor para um polo receptor. Nessa perspectiva, bastaria se preocupar com a utilização da linguagem (gírias da juventude, #partiuteste, por exemplo) e dos veículos (aplicativos de encontros, redes sociais etc ), que o sucesso é garantido.

Desconsideram-se as desigualdades, as vulnerabilidades pessoais e sociais, as diferentes realidades, desejos e interesses e, por isso, tendem a simplificar e transformar quaisquer discordância, resistência ou dificuldade em falta de informação ou em ruído de comunicação (Araújo e Cardoso).

A comunicação ocupa um lugar central nas nossas vidas. Vivemos em plena “sociedade da comunicação” (Miège), na “era da informação” (Castells ). Por isso, a comunicação é um dos principais ingredientes da organização social.

Entendida em um sentido amplo como “interação social através de mensagens”(Gerbner), a comunicação deve compor a natureza democrática da nossa sociedade, em que os processos de decisão possam ser baseados na troca comunicativa entre os participantes.

Enfim, a comunicação não pode ser moralista, covarde ou autoritária, mas sim deve permitir que as pessoas participem democraticamente das decisões que afetam a saúde e as suas vidas.

Mário Scheffer é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Referências:

Health Communication Unit (THCU). University of Toronto. www.thcu.ca

Institut National de Prévention et d’Éducation pour la Santé. www.inpes.sante.fr


Johns Hopkins. Center for Communication Programs. http://ccp.jhu.edu/

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Nova cepa do HIV desenvolve Aids em menos de três anos

Compartilho com vocês algumas reflexões de Jean Wyllys sobre uma descoberta bastante preocupante. Triste é saber que só agora irão fazer um estudo para verificar quais as cepas circulantes em terras tupiniquins.
Beto Volpe



Má notícia para as pessoas engajadas na luta anti-AIDS. Uma cepa nova do HIV pode fazer a pessoa desenvolver a AIDS em apenas dois anos - tempo em que muita gente sequer se descobre soropositiva para o vírus. Essa agressiva e recém-descoberta cepa do vírus da AIDS está se espalhando rapidamente por Cuba, segundo pesquisadores da Universidade de Leuven, na Bélgica.

Eu conversei Fernando Ferry, infectologista e diretor do Hospital Universitário Gafrée & Guinle, referência em AIDS no Brasil, sobre essa notícia e ele me disse que os subtipos do HIV podem, sim, mesclar-se entre si, formando subtipos novos. "No caso em questão estes são subtipos africanos, mais agressivos e os medicamentos antirretrovirais possivelmente não serão tão eficazes, pois foram desenvolvidos para subtipos americanos e europeus!", acrescentou.

Além disso, existe a possibilidade de pessoas que fazem uso irregular da medicação desenvolverem resistência aos remédios e este vírus resistente ser passado para outras pessoas - e se infectar por um vírus resistente aos medicamentos disponíveis significa não poder se tratar. O HIV é vírus mutante. Por isso, mesmo duas pessoas que possuem o HIV devem usar preservativos nas relações sexuais.

Essa pesquisa realizada pela universidade belga e cujo resultado foi divulgado ontem (veja aqui: http://instinctmagazine.com/…/aggressive-new-hiv-strain-pro… ) em breve poderá ser feita também pelo Hospital Universitário Gafrée & Guinle com o sequenciador de DNA e RNA que o hospital adquiriu graças aos recursos - dois milhões de reais - que eu lhe destinei mediante emenda ao orçamento. "Em março devemos começar o trabalho", informou-me Ferry. "Assim saberemos com detalhes os subtipos de vírus circulantes aqui no Brasil", garantiu.

Diante dessa triste notícia e sabendo que, aqui no Brasil, a pobreza, a dificuldade de acesso à educação formal de qualidade e a serviços de saúde, a homofobia e a transfobia, o racismo e a misoginia - sozinhos ou articulados entre si - tornam certos indivíduos e coletivos mais vulneráveis ao HIV, diante disso, eu fico muito feliz com o resultado do trabalho de nosso mandato no sentido de deter a propagação do HIV; assegurar tratamento às pessoas convivendo com o vírus ou doentes de AIDS e criar uma cultura de respeito às pessoas soropositivas para o HIV.

Além das emendas ao Gafrée & Guinle e para o programa de enfrentamento às DSTs/AIDS do Ministério da Saúde, realizamos nesse Carnaval que se encerrou ontem, em parceira com o Fora do Eixo e com colaboradores de nosso mandato, uma campanha de prevenção ao HIV voltada para a internet que foi um sucesso! Mais de 500 mil pessoas visualizam os vídeos que, numa mensagem objetiva, corajosa, sem concessões ao falso-moralismo e sem invisibilizar os indivíduos e coletivos mais vulneráveis, interpelaram as pessoas a se previnir do vírus, não das pessoas. Mais de 500 mil pessoas tiveram contato com a mensagem de prevenção e puderam discutir em suas redes sociais digitais e analógicas, a partir dos vídeos e quadrinhos da campanha, as questões referentes à AIDS e HIV. E essa campanha foi elaborada a custo zero para os cofres públicos!

As vidas humanas é que importam. O trabalho que fazemos é o que importa.

Jean Wyllys
Deputado Federal

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

De boas intenções...

Pessoal, compartilho algumas reflexões sobre testar, tratar e banalizar, publicadas hoje na Agência de Notícias da AIDS.
Beto Volpe




 O Ministério da Saúde acaba de lançar a campanha de prevenção à aids para o Carnaval deste ano, focada no público jovem, que é o segmento que apresenta o maior crescimento no número de infecções pelo vírus HIV. A peça publicitária para a televisão é, apropriadamente, de linguagem bem dinâmica e dá ênfase ao atual mantra do Departamento Nacional de DST/Aids/Hepatites Virais, o de testar e tratar. Essa estratégia foi adotada desde dezembro último e preconiza a facilitação do acesso aos testes rápidos para a detecção do vírus e a introdução do coquetel de medicamentos a partir da primeira consulta, seja qual for o estado clínico e laboratorial do indivíduo.
Seria tudo muito interessante, pois tanto o diagnóstico precoce quanto a supressão da carga viral são mecanismos importantes para a redução dos vergonhosos 40 mil novos casos por ano apresentados pelo Brasil. O problema está na forma com que essa recomendação internacional está sendo aplicada em terras tupiniquins, desconsiderando todo o conhecimento em diagnóstico, acolhimento e adesão ao tratamento que foi acumulado nessas décadas de epidemia.
A facilitação do acesso inclui a realização de exames em locais e ocasiões inapropriadas para tal, como boates e eventos festivos, além da temerária disponibilização de testes na farmácia ou na agência dos Correios mais próxima de você. Decisão essa que foi veementemente criticada pelo Conselho Federal de Psicologia e que a partir deste mês estará implementada em Curitiba (PR). Imagine-se você, leitor, preparado para descer as ladeiras de Olinda com seus amigos, resolve fazer o teste e vê seu emocional rolar ladeira abaixo. Ou, abalado pelo fim da relação, compra um kit na farmácia e descobre, em seu apartamento no nono andar em uma noite chuvosa, que, além de um par de chifres, também herdou a infecção pelo HIV.
Vamos supor que tudo tenha dado certo, a pessoa tenha conseguido manter o equilíbrio, procurou o SUS para fazer seu acompanhamento e o médico lhe disse que teria de iniciar com os medicamentos, já que boa parte dos médicos não sugere, prescreve e que venha o próximo, por favor. Pois bem, já que o Ministério da Saúde adora dados produzidos no hemisfério norte, por que ele não menciona uma vírgula sequer sobre o estudo recém publicado pelo “Journal” do The American Medical Association. Nele, foi demonstrado que um em cada cinco jovens infectados pelo HIV abandona o tratamento pelo medo de transformações físicas, da rejeição em seu círculo de amizades e pela certeza juvenil de que nada vai lhe acontecer de ruim.
Fazer isso seria um tiro pela culatra, afinal, mais vírus resistentes estariam em circulação, complicando ainda mais o tratamento e as expectativas de vida das pessoas com HIV, além de impactar negativamente nas estratégias de prevenção. Vale lembrar que o governo federal também está descentralizando a assistência em aids para a rede básica de saúde, sacramentando o fim de qualquer projeto de adesão ao tratamento.
De boas intenções, o inferno está cheio e o brasileiro também. Somos o país dos atalhos, onde o jeitinho e a fé costumam resolver os problemas temporariamente, mas apresentam um enorme custo no final. Também somos o país da governabilidade, em que os preceitos técnicos da luta contra a aids são sobrepujados pelos interesses da base aliada, que impõe ao governo federal uma lista do que pode e do que não pode ser veiculado em campanhas públicas. S
Somos o país da comodidade, em que a solução biomédica para a epidemia de aids tira de cena os aspectos sociais e psicológicos do indivíduo e do grupo, além de oficializar o desprezo do Ministério da Saúde pela opinião da sociedade civil e das pessoas com HIV.
Acho que nem Satanás aguenta mais o país do Carnaval...
* Beto Volpe é ativista e um dos fundadores da ONG Hipupiara, de São Vicente (SP)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Todo Poderoso

Pessoal, compartilho com vocês um pedido de desculpas que devo ao diretor do Departamento Nacional de AIDS.
Beto Volpe


Há poucos meses troquei algumas mensagens via Facebook com o Dr. Fábio Mesquita, diretor do Departamento Nacional de DST/AIDS/Hepatites Virais, por conta de uma publicação desastrosa do GAPA de Santos que ostentava uma camisinha aureolada e associava o conceito de pureza a não ter HIV, o que implicaria que quem vive com ele seria impuro, segundo o raciocínio lógico puro. Para minha surpresa, ele me disse nessa conversa que havia achado o folheto 'bunitinho' e que essa associação entre camisinha e a 'coisa santa' teria sido uma grande sacada. Após algumas mensagens com ideias distintas sobre o tema e eu ter dito que aquela atitude me causava espanto, ele me confidenciou que havia ficado ofendido por eu tê-lo chamado de nazista em um artigo que eu havia publicado, já havia um tempo. (leia aqui)

Pois é, reconheço meu erro e peço mil desculpas por tê-lo ofendido ao comparar seus métodos à frente do DN aos utilizados pelo velho Adolf na Alemanha nazista. Deveriam ser comparados aos de Deus, mesmo, pois a Onisciência é uma de suas mais sublimes características, uma vez que dispensa a opinião da sociedade civil, rejeita de forma veemente o parecer Conselho Federal de Psicologia e anuncia para fevereiro o início da estratégia de auto teste de HIV em farmácias e postos dos correios, sem qualquer atenção profissional em momento tão delicado.

Não conheço uma pessoa sequer que tenha recebido o resultado do teste e não tenha sentido o chão sumir sob seus pés. Certa ocasião, durante um congresso nacional da área, eu e um grupo de ativistas estávamos próximos a um stand ostentação da estratégia Fique Sabendo, onde o teste é realizado e alguns minutos depois o resultado é entregue à pessoa. E vimos um rapaz saindo de lá visivelmente abalado, andando sem rumo, o que nos levou a abordá-lo e perguntar se ele estava se sentindo bem:

- Estou com AIDS e vou morrer.

Esse cara era um profissional de saúde que trabalhava na área de AIDS, tinha informações sobre tratamento, direitos humanos e tudo que se tem à disposição para enfrentar a infecção... e seu chão sumiu. Não há estudos sobre o impacto que uma notícia dessas pode produzir nas pessoas diagnosticadas com HIV, mas em estudo realizado em 2010 pela Faculdade de Medicina da USP concluiu que 81% das mulheres que recebem o diagnóstico de câncer de mama desenvolvem os sintomas de Estresse Pós Traumático. O que leva o Altíssimo a pensar que com AIDS isso seria diferente, ainda mais se levarmos em conta todos os estigmas que cercam a enfermidade e que voltam a imperar na sociedade brasileira pela absoluta falta de ações de visibilidade da epidemia pelo mesmo DN?


Não somos somente nós, que vivemos com HIV e os pesquisadores da USP, que temos uma abordagem bem crítica com relação a essa iniciativa. O próprio Conselho Federal de Psicologia mostrou-se extremamente preocupado com essa estratégia e lamentou sua retirada desse processo. Em outras palavras, o Senhor excomungou o CRP de sua igreja, que reza pela cartilha do enfrentamento biomédico da AIDS, excluindo qualquer ação ou pesquisa sobre seus impactos sociais nos brasileiros. O Rei dos Reis justifica que existem estudos feitos no hemisfério norte que apontam para o sucesso dessa iniciativa em países da Europa e nos Estados Unidos e que não seria necessária uma produção 'tupiniquim' de conhecmentos. Ops, peço perdão por outra heresia minha, Vossa Potestade não tem que justificar nada, apenas ordenar seu Mandamento Único, que é 'Testarás a qualquer preço'.

Ó, Adonai, o que lhe faz crer que a realidade brasileira é a mesma encontrada no lado brilhante da Terra? Aqui é o lado obscuro do planeta, onde a discriminação contra tudo só aumenta, os desmandos são a tônica do poder e a solução prática se sobrepõe à solução estudada dos problemas. Basta ver o número de assassinatos e suicídios diante de situações aparentemente banais. Além disso, o Brasil vem apresentando resultados desastrosos tanto na área de prevenção, pois continua produzindo mais de trinta e três mil diagnósticos positivos para o HIV, além de haver decuplicado o número de infecções entre jovens de Salvador em apenas um ano. Aumentar dez vezes o número de jovens infectados já seria um absurdo se acontecesse em dez anos, mas o Senhor faz de conta que nada vê e continua tentando achar uma saída para os problemas que Ele agravou à frente das ações governamentais de luta contra a AIDS no Brasil.

Fico imaginando, ó Javé, uma pessoa abalada emocionalmente por uma dúvida com relação ao ex namorado ou ex namorada e que comprou o teste na farmácia. É uma noite chuvosa de segunda feira e, em seu minúsculo apartamento no décimo andar, essa pessoa fica sabendo que, além de ter tomado um baita chifre, havia contraído o vírus HIV. Não há ninguém ali para lhe dar um apoio, um esclarecimento ou mesmo um silêncio de cumplicidade. Apenas o copo com meia dose de Campari e uma janela aberta no décimo andar para a solução de todos os problemas, afinal, essa é a vontade de Deus.

Ó, Pai... Por que nos abandonaste?

Beto Volpe

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Adolescente transexual se suicida nos EUA e deixa carta: "Consertem a sociedade"

Pessoal, é com muito pesar que compartilho mais essa tragédia.
Beto Volpe



Leelah Alcorn foi atropelada e escreveu em sua carta suicida que o alívio que sentiu ao descobrir o que era transexualidade acabou quando sua mãe a censurou: "Deus não comete erros"

Bem cedinho na manhã de domingo (4), Leelah Alcorn andou seis quilêmtros de sua casa, em Ohio, até a estrada interestadual 71, onde se jogou na frente de um caminhão e morreu atropelada. O que de início pareceu um trágico acidente se revelou suicídio quando uma carta da adolescente transexual foi encontrada em sua conta no Tumblr.
Aos 17 anos, Leelah dizia: "Por favor, não fique triste, vai ser melhor. A vida que eu teria vivido não vale a pena viver... Porque eu sou transexual." Ela, que nasceu Joshua Alcorn em uma família cristã conservadora, continua a carta suicida dizendo que dos 4 aos 14 anos se sentiu uma menina presa no corpo de um menino. Aos 14, quando entendeu o conceito de transexualidade, sentiu um alívio incrível, por ver que existia, sim, um lugar para ela no mundo.
Porém, quando ela contou isso aos pais, a mãe reagiu negativamente. "Ela disse que era uma fase, que eu nunca seria verdadeiramente uma menina, que Deus não comete erros e que eu estava errada".
Leelah conta que seus pais a tiraram da escola e a proibiram de usar mídias sociais. Totalmente isolada, ela teve uma depressão profunda."Se você está lendo isso", ela pediu. "Por favor, não diga isso para os seus filhos. Mesmo se você for cristão ou contra pessoas trans, nunca diga isso que para alguém, especialmente seu filho. Não vai levar a nada, a não ser fazê-los odiar seus pais. Foi exatamente o que aconteceu comigo."
Em outro trecho da carta, ela afirma: "Nunca vou ser feliz com minha aparência ou minha voz. Nunca vou ter amigos suficientes. Nunca vou ter amor suficiente para me satisfazer. Nunca vou encontrar um homem que me ama."
HOMEM SOLITÁRIO OU MULHER QUE SE ODEIA
Ela segue sua carta antecipando um futuro terrível para si mesma, da maneira que fosse. "Vou viver o resto da minha vida como um homem solitário, que deseja que fosse uma mulher, ou como uma mulher mais solitária ainda, que se odeia. Não há como vencer. É uma rua sem saída."
Ela decide se matar e faz um pedido: que sua morte não seja em vão. "Só vou descansar em paz se um dia as pessoas transexuais não forem tratadas da maneira que eu fui. Eles merecem ser tratados como seres humanos, com sentimentos válidos e direitos humanos", escreveu ela.
Mais do que para as famílias, ela deixou um pedido voltado para as escolas também. "A questão de gênero tem de ser ensinado nas escolas, quanto mais cedo melhor. Minha morte deve significar alguma coisa. Minha morte precisa ser somada ao número de pessoas transexuais que cometerem suicídio este ano. Eu quero alguém para olhar para esse número ... e corrigi-lo. Consertem a sociedade.Por favor."
Os colegas da Kings High School fizeram uma vigília que reuniu mais de 300 pessoas e a carta provocou uma grande movimentação on-line. Agora é tarde. Porém, dois meses antes de morrer, Leelah escreveu um pedido de ajuda em um fórum do site Reddit: "Por favor me ajudem. Não sei o que fazer. Não sou agredida fisicamente, mas sinto que sofro outro tipo de abuso, verbal ou mental. Não vou suportar isso por muito mais tempo."
Fonte: iGay