Como eu admiro a eloquência desse cara...
Entrevista a MORRIS KACHANI
Beto Volpe
Muito há para ser feito em termos de conquista dos direitos LGBT no país. O casamento igualitário é reconhecido judicialmente, mas não pela legislação. A criminalização da homofobia não consta do Código Penal. Travestis e transexuais não conseguem realizar a mudança de nomes e gênero no registro civil.
Por essas é que em matéria de direitos humanos, o Brasil mereceria nota 5. Não que o brasileiro seja conservador. A sociedade se encontra em plena transformação, até nas novelas da Globo a representação homossexual evoluiu. É a elite política que é conservadora. E os partidos de esquerda, de certa forma, também.
Em suma, apesar dos avanços, ainda vivemos em uma sociedade heteronormativa.
Este diagnóstico faz parte de “Tempo Bom, Tempo Ruim – identidades, políticas e afetos” (editora Paralela), em que o jornalista, professor universitário, ex-BBB e hoje deputado federal Jean Wyllys, 40, do PSOL, procura compartilhar a experiência adquirida nos anos de militância pelos direitos humanos. O livro é didático, na medida em que introduz o leitor no conhecimento de conceitos básicos mas não tão disseminados como a distinção entre sexo, identidade de gênero, orientação sexual.
É também obviamente, um livro sobre a visão de mundo de Wyllys, que fica entre a crônica e o ensaio, com laivos de auto-biografia. E por que o título? “Estamos vivendo tempos bons e tempos ruins. Um momento de ambivalências, de avanço e retrocesso. Não está claro para onde o Brasil está indo”, afirma o autor.
“Ao mesmo tempo em que nos posicionamos como a quinta maior economia do mundo, temos um baixíssimo IDH, vemos a sombra desumana dos linchadores se estender, os fundamentalistas religiosos se organizando financeira e politicamente”.
Wyllys se define como sendo de uma ‘esquerda renovada’. Mas com ressalvas. É que a esquerda sempre teve problema de lidar com a liberdade individual, de acordo com ele. “A ponto de todos os homossexuais terem vivido no armário, nos anos de chumbo. Você não podia dizer que era homossexual em um grupo guerrilheiro, se não era expulso ou corria o risco de ser rebaixado, considerado fragilizado”.
“Che Guevara é o macho alfa da revolução socialista. É inegável seu papel na condução da revolução, mas Guevara foi muito ruim para os homossexuais, que foram para o paredão em Cuba. Ele está associado a um espaço da sociabilidade heterossexual masculina”.
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Como se define politicamente?
Eu diria que sou de uma esquerda renovada. Tenho um problema com a esquerda, que diz respeito à liberdade individual – como os direitos LGBT, ou da mulher sobre seu corpo. A esquerda sempre teve problema de lidar com isso.
Como assim?
Historicamente, a luta de esquerda na América Latina associou homossexualidade a uma reminiscência burguesa. Manuel Puig escreveu sobre isso, em “O Beijo da Mulher Aranha”. A revolução cubana mandou homossexuais para o paredão. No Brasil, você não podia dizer que era homossexual num grupo guerrilheiro, se não era expulso ou corria risco de ser rebaixado, considerado fragilizado.
Como enxerga Che Guevara?
Virou um ícone, como Mickey Mouse. Che Guevara é o macho alfa da revolução socialista. É inegável seu papel na condução da revolução, mas Guevara foi muito ruim para os homossexuais, que foram para o paredão em Cuba. Ele está associado a um espaço da sociabilidade heterossexual masculina.
E hoje em dia, como a esquerda lida?
Tenho muito pontos em comum com meu partido, o PSOL, mas algumas divergências. Temas ligados à sexualidade ou a criminalização da homofobia não foram tão bem assimilados no partido. Há um debate que não está resolvido. Acerca da regulamentação da prostituição, por exemplo, muita gente no partido defende uma visão ortodoxa socialista de que a prostituição é subproduto do capitalismo, envolvendo a mercantilização do corpo, e que portanto seria preciso lutar por sua erradicação, e não regulamentação. É o pensamento mais tosco que já vi na minha vida. O mesmo moralismo de um partido conservador.
Você escreve que ser de esquerda é defender minorias. A direita não defende minorias?
Muito pouco. Em termos de justiça social e erradicação da pobreza, redução da desigualdade, a direita defende muito pouco as minorias. E quando o faz é sob uma perspectiva de mercado, como se a liberdade de mercado pudesse solucionar questões como o racismo ou a homofobia. Nesse sentido, sou mais da esquerda.
Existem militantes homossexuais de direita?
Existem. Mas não levam em conta as bichas pobres, por exemplo. São pouco preocupados com a questão de classes. A homofobia social que um branco de classe média enfrenta é diferente do negro pobre, que está muito mais vulnerável. Há muitas favelas no Rio de Janeiro em que os gays são deliberadamente expulsos de casa, em um acordo velado entre os traficantes e os pentecostais.
Por que “Tempo bom, tempo ruim”?
A gente está vivendo tempos bons e tempos ruins. Um momento ambivalente, de avanço e retrocesso. Ao mesmo tempo que nos posicionamos como a quinta maior economia do mundo, com mais protagonismo, temos um baixíssimo índice no IDH, assistimos a subsombra desumana dos linchadores se estender, os fundamentalistas religiosos se organizando financeira e politicamente. Não está claro para onde o Brasil está indo, tempos são bons e ruins simultaneamente.
Que nota você dá ao Brasil, em termos de direitos humanos?
Cinco. Tem que ver qual rumo que a gente quer dar. Precisamos valorizar não só nossos recursos naturais mas também os humanos.
Somos um país conservador?
O país não é mas a elite política, que é majoritariamente conservadora, pensa que sim. Existe um lado da sociedade que é profundamente transformador, plural. Na periferia de São Paulo por exemplo, são comuns as famílias formadas por mães solteiras, com filhos de diferentes pais. Nossa sociedade passa por uma profunda transformação mas o discurso político ainda é conservador.
E os evangélicos nesse contexto?
Estão crescendo, fazem parte. Mas não quero localizá-los no ‘tempo ruim’. Não são necessariamente conservadores. Há um aspecto progressista de certas igrejas evangélicas mais modernas. De outro lado, cresce também o fundamentalismo religioso das pentecostais.
E as novelas da Globo, não são conservadoras?
Quando falo de elite política, me refiro a toda estrutura que a sustenta. As novelas da Globo são conservadoras, mas são mais liberais do que muitos colegas do Congresso Nacional. A representação da homossexualidade nelas tem avançado bastante, estão mais plurais. Isso é resultado de uma luta envolvendo audiência, movimentos organizados, redes sociais.
Qual o status dos direitos LGBT no Brasil?
Do PSOL até os partidos de centro esquerda como o PSDB, temos representantes. As demandas são múltiplas, mas poderiam ser resumidas em um tripé de conquistas.
O casamento igualitário, e os direitos a ele associados, como família, adoção ou herança. Isso precisa passar pelo Legislativo, hoje só tramita pelo Judiciário.
A letra “T” do LGBT – travestis e transexuais – também faz parte de nossa luta. A mudança do nome em registro civil, de gênero, a garantia de hormonioterapia, a inserção no mercado de trabalho.
E por fim, a criminalização da homofobia. Houve 326 homicídios relacionados no ano passado, no país. É preciso que a legislação reconheça esse motivo, embora eu pessoalmente não ache que a homofobia deva implicar aumento de pena, como muita gente do movimento defende.
Em que pé estão estes projetos?
O primeiro foi derrubado pela bancada evangélica, o segundo segue em tramitação. A mobilização do Congresso Nacional é zero, o que temos em termos de avanço são certas políticas estaduais e municipais que punem a discriminação.
Você escreveu que futebol é homofobia. É?
Ai meu Deus do céu. Em que pese ao longo desses anos conquistas como a abertura para o futebol feminino ou a emergência de uma ou outra torcida gay, o futebol é uma sociabilidade masculina que se apoia muito na derrisão da homossexualidade e da mulher. É um meio social do homem heterossexual, nasceu e foi criado assim. Tanto que na hora dos insultos o adversário sempre é colocado numa posição feminina ou homossexual.
Agora, de um ponto de vista cultural mais amplo, não estou dizendo que todo torcedor é homofóbico. É claro que não é.
Existe muita hipocrisia?
Querido, apesar de todos os avanços, ainda vivemos em uma sociedade heteronormativa. Você já viu alguma campanha publicitária com as jogadoras Marta ou Formiga? O atleta pra sair do armário tem um custo muito grande. Compromete a carreira.
Preconceito gera preconceito? Pode existir preconceito contra heterossexuais?
Não acho, este é um discurso falacioso e cheio de preconceito. Ninguém associa o hetero à marginalidade, ao anormal.
Você vai se candidatar novamente?
A princípio me candidato à reeleição, mas venho consciente de que posso ou não ser eleito. (nota da reportagem: em 2010 Wyllys foi eleito deputado federal com a menor quantidade de votos pelo Rio de Janeiro – 13.016 (0,2%) dos votos válidos. Ele conseguiu a vaga por conta do desempenho do deputado federal Chico Alencar, do seu partido, que conquistou 240.671 (3%) dos votos)
Uma coisa é certa, reeleito ou não, não sairei de cena. Sou jornalista e professor universitário e estou deputado por ocupação, isso é muito claro pra mim. Se vencer é para concluir um trabalho que meu mandato não conseguiu concluir.