Beto Volpe
Desde tempos imemoriais o homem tenta a partir de meios mágicos ou sobrenaturais prever o futuro. Em muitas sociedades tanto de caçadoras e coletoras como já sedentarizadas tinham sacerdotes especializados para esse fim. Essa tradição chegou aos dias de hoje e muitas pessoas buscam indivíduos com “poderes” especiais para lhes dizer o que acontecerá: “terei fortuna”, “um grande amor”, “felicidade”, “como está a minha saúde?”. Além disso, muitos olham seu “horóscopo” e, por incrível que pareça, guiam seu dia por aquilo o que lerem no jornal (que sempre é algo genérico e que poderia ser aplicado a qualquer pessoa).
A Ciência sempre se afastou de tais “previsões”. A História repudia completamente qualquer tipo de “previsibilidade”. Somos treinados desde sempre de que a História não prevê o futuro. Além disso, somos preparados a não questionar o “e se...”. Ou aconteceu ou não aconteceu: “e se Hitler tivesse ganhado a Segunda Guerra”. Ele não ganhou, portanto não se perde tempo com isso.
“A moral da História” é que não existem meios mágicos para se prever o futuro. No entanto, duas áreas das Ciências Humanas e Aplicadas têm o objetivo de auxiliar a compreensão do presente e buscam estabelecer modelos prognósticos sobre o que pode acontecer no futuro. Percebam que não é a previsão do futuro, mas perceber o que pode acontecer através do conhecimento e análise do passado e do presente. Refiro-me à Ciência Política e à Economia.
Logicamente, essas duas Ciências não são uma “futurologia”, mas tem uma função social de nos mostrar o que pode acontecer política e economicamente, nos dando as bases de compreensão e como agir nos piores cenários. É dentro desse cientificismo que economistas tentam prever as famosas crises cíclicas do capital
É dentro dessa visão que Alexis de Toqueville no século XIX fez previsões que até hoje faz com que os estudiosos se perguntem “como ele conseguiu isso”. Me refiro às previsões relativas às conturbações francesas e que abalaram o mundo em 1848 (a Primavera dos Povos) e em 1871 (Comuna de Paris, que ocorreu doze anos depois da morte de Toqueville). Além disso, ainda previu na obra “A Democracia na América” que o século XX seria dominado por duas potências: Estados Unidos como uma democracia e Rússia com um governo autoritário. Como ele fez isso? Tinha uma “bola de cristal”? Não, ele analisou friamente os acontecimentos do passado próximo e do presente para tentar ver possíveis cenários.
É isso que tentarei fazer adiante, sabendo que há uma grande margem para o erro.
Como já dei aula para os dois cursos vou colocar de lado o meu viés de historiador (que não se preocupa em traçar modelos para o futuro) e tentar ver um prognóstico político-econômico para o Brasil nos próximos anos. A base da minha reflexão será a questão do laicismo do Estado e o crescimento das seitas neopentecostais.
Minhas previsões não são das mais alegres, ao contrário, partem de um pressuposto bastante tétrico: estamos deixando de ser um Estado Laico e entrando nas brumas do determinismo religioso. O que mais gera temor é que não estamos no século XI e sim no XXI!
Quando olhamos o crescimento das seitas evangélicas nos assustamos. Em 1980 representavam 6,6% da população. No senso de 2010 já representavam 22% da população. Quando se analisa os dados percebe-se que o crescimento é vertiginoso e, principalmente, entre as pessoas sem instrução. Em outras palavras, os evangélicos crescem entre os grupos excluídos culturalmente e que são as vítimas históricas da exclusão social no Brasil.
Por outro lado, as seitas neopentecostais seguem uma lógica capitalista extremista em oposição ao anticapitalismo tradicional católico. Sim, essas seitas retomam o princípio do cristianismo primitivo (com raízes no judaísmo) de forma deturpada. No judaísmo e cristianismo primitivo (pré-catolicismo) ter dinheiro significava que essa pessoa era abençoada. Logicamente, havia um princípio de que essa pessoa deveria ajudar o próximo (como acontece com judaísmo). No entanto, no princípio neopentecostal colocou-se que a igreja precisa ser rica (“abençoada por Deus”) e que seus fiéis devem enriquecer a instituição. Dessa forma, os fiéis têm obrigação de doar parte de seus rendimentos.
As igrejas crescem (e suas diversas facções) como empresas capitalistas voltadas para o lucro e a exploração em “nome do Senhor”. Controlando ideologicamente a forma de pensar das pessoas para garantir que sigam seus preceitos e sempre doando dízimos. Como empresas tentam atrair seus “clientes”. Tentam “fidelizar” seus e roubar os clientes de outras seitas ou até mesmo credos.
O objetivo é o lucro. Para isso vendem a felicidade. Por outro lado “operam milagres”: trazem uma voz de esperança e muitas vezes garantem que as famílias com problemas se reestruturem de vícios. Na ausência do Estado isso é um verdadeiro milagre. Em outras palavras: em uma família com problemas de vícios eles garantem a regeneração e se antes a família perdia 70-90% do seu capital para o vício (como drogas e álcool), ela se reestruturando e entregando 10-30% da sua renda ela ainda sai no lucro. É um “verdadeiro milagre do Senhor”.
Imagina isso expandido para uma potencialidade de no mínimo 43% da população (classes D, E e F) isso sem contar com uma parcela da classe média baixa (que deve representar outros 25-30%). Isso garante para essas igrejas um potencial de no mínimo 60% da população que são suscetíveis ao seu discurso e controle ideológico.
Ou seja, hoje eles representam 22%, mas podem chegar em menos de duas décadas 60% da população. Como possuem um visão determinista atacam outros grupos como as igrejas afro e os espíritas, tentando cooptá-los (como já tem uma religião podem ser convertidos). Os católicos pobres já são um alvo primordial do discurso neopentecostal, tendo em vista a incapacidade da Igreja de Roma em sensibilizar os pobres com o seu discurso, que evoluiu muito entre o período medievo e sua posterior perda de domínio na Era Contemporânea. A Igreja Católica não vende terrenos no céu e não “garante” o favor do senhor a partir de dízimos. Ao contrário, a Igreja Católica vai dizer que são as boas ações que levam ao paraíso: crer em Cristo, fazer a caridade e auxiliar ao próximo. Mas isso, não traz alento para quem vive em uma favela ou região desassistida pelo Estado.
Dessa forma, o discurso católico não chama a atenção afora as camadas da população com melhores condições financeiras e uma conscientização maior. Porém, as populações carentes aspiram por algo que lhes dê segurança. Por isso, o catolicismo perde espaço: ele não vende esperança, ele preconiza boas ações.
Não entrarei no debate vinculado aos ateus – esses são vistos como encarnação “pura do demônio”. Como raramente podem ser convertidos são uma ameaça à empresa capitalista neopentecostal. Todos os outros grupos podem ser seduzidos ou anulados, menos os ateus.
Do ponto de vista político-ideológico percebe-se que as seitas neopentecostais crescem vertiginosamente tanto no controle do pensar dos brasileiros como também no Parlamento. No Parlamento são uma força supra-partidária que está presente em praticamente todos os partidos. Ao mesmo tempo, possui uma força política grande, embora sejam inoperantes até o presente momento, pelo menos do ponto de vista de atividade e proposições de impacto social. No Congresso Nacional possuem atualmente 12,2% das cadeiras (são 63 entre 513 deputados). No Senado o número é menor, possuem apenas 3,7% (são 3 entre 81 senadores).
Colocando esses números no papel podemos perceber que no Congresso são verdadeiros “fiéis da balança” se levarmos em consideração a polaridade dos campos opostos PT-PSDB: 12,2% pode garantir a vitória em questões importantíssimas. Não é a toa que percebemos os dois lados flertando com a Bancada Evangélica (Feliciano não foi escolhido ao acaso para a Comissão de Direitos Humanos e sim através de uma articulação do PMDB com um “fechar de olhos” estratégico do PT). Se olharmos as duas últimas eleições, entre a de 2006 e 2010 os evangélicos dobraram a sua participação e para 2014 podem aumentar ainda mais a sua participação. Talvez até dobrando o número de 2010!
Se dobrarem o número de cadeiras terão nas mãos praticamente ¼ do Parlamento. Esse ¼ do Parlamento terá ideias altamente radicais e anti-laicistas.
Levando em consideração que a laicidade do Estado é uma pedra para o desenvolvimento e controle político dos neopentecostais na sociedade, pois os princípios básicos do Estado Laico vai contra as “verdades” das interpretações bíblicas que os neopentecostais fazem, tentarão agir contra ele. Seguindo o rastilho de pólvora, para 2018 os evangélicos poderão abocanhar entre 50% até um teto de 60% do Parlamento. Aí a “casa” vai cair, pois poderão fazer leis de acordo com os seus princípios. O Estado Laico dentro do jogo da democracia dará espaço para a teocracia. Os exemplos do passado recente mostram o que pode acontecer com o radicalismo religioso tomando de assalto o Estado.
Lembrem-se do Fundamentalismo Islâmico no Oriente Médio a partir de 1970. Isso é o que se coloca no horizonte para o Brasil. O que vai se esboçar na eleição de 2018: a disputa entre neopentecostais e o “resto” e isto pode ser a pá de cal sobre o Estado Laico em 2022. Por isso minha previsão é que no máximo em 2022 a eleição não vai ser entre esquerda e direita e sim entre deterministas religiosos e laicos (desde católicos, luteranos, judeus, umbandistas, espíritas, agnósticos e ateus).
Estes laicos serão o último bastião da liberdade no Brasil. Depois disso, se o cenário não se alterar em um futuro breve o determinismo religioso vai se apossar do Estado e todos os males do Estado Teocrático assumirão proporções bíblicas. O Legislativo sofrerá o primeiro golpe, em seguida o Executivo. Tomando o Executivo o Judiciário cairá em pouco tempo, pois é o Executivo quem escolhe os ministros do STF.
Depois disso, tenho até medo de pensar no que pode acontecer. Queria que esse não fosse o prognóstico que se coloca diante de nós no horizonte. Desejo do fundo do meu ser estar errado. Gostaria de chegar em 2018 e 2022 e pensar aliviado: “eu estava errado”.
Essa é a minha esperança...
Rodrigo Oliveira no blog 'Nada além da verdade'