Pessoal, aí vão algumas reflexões sobre igualdade e equanimidade, tendo como pano de fundo artigo extremamente preconceituoso de um colunista de revista semanal.
Beto Volpe
A II Convenção Internacional
da Paz, realizada em 1907 na cidade holandesa de Haia, estava prevista para ser
um dos primeiros tratados internacionais de leis e crimes de guerra. Mas foi
muito além, graças a uma das maiores personalidades brasileiras de todos os
tempos: o brilhante multitarefa Rui Barbosa. Esse jurista, orador, escritor,
político, diplomata e mais um sem número de ocupações teve uma participação tão
brilhante que fez jus ao título de ‘Águia de Haia’ e sua intervenção é
considerada, até hoje, uma das mais contundentes da história da diplomacia
mundial. É dele, também, o seguinte pensamento:
“A
regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais,
na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade
flagrante, e não igualdade real.”
Em
outras palavras, é necessário tratar diferenciadamente aqueles que estão em
situação desigual na sociedade, para se obter a justiça social. É por isso que
existem assentos reservados e tratamento preferencial nas filas para idosos,
gestantes e pessoas com deficiência, por exemplo, e também termos uma Lei Maria
da Penha que, se não em sua plenitude, visa garantir os direitos da mulher em
relações desiguais. E não é que um reles colunista de uma das mais controversas
revistas do país ousou discordar de nosso Águia e achou por bem considerar esse
conceito, o da equanimidade, como proselitismo e demagogia? Pois foi com esses
qualificadores que ele descreveu a recém sancionada lei que criminaliza a
discriminação de pessoas que vivem com HIV.
Esse
senhor, usando de uma linguagem que flerta perigosamente com a discriminação,
fala que ‘a AIDS é uma doença que se
associou a traços de comportamento de comunidades influentes, que reivindicam
uma cidadania especial, acima do indivíduo comum’. A que traços de comportamento
ele se refere, ao de transar sem camisinha? Ou ao subtema de seu artigo, o PL
122, que garante direitos aos homossexuais, lésbicas, travestis e
transexuais? Acredito que seja a segunda
opção, mas vamos lá.
Além
de atropelar a história, ele desconhece absolutamente a evolução da epidemia de
AIDS. Se ele acredita que estamos lutando pelos direitos de Cazuza, Sandra Bréa
e Lauro Corona, ele está bastante desinformado, a AIDS não é mais aquela. Há um
bom tempo a epidemia de AIDS está se espalhando por todas as camadas sociais,
especialmente nas periferias, onde a pessoa com HIV não passa de um ‘indivíduo
X’, que não tem informações sobre seus direitos, sobre sua própria condição de
viver com HIV e, muitas vezes, desconhece o direito ao tratamento e à dignidade
humana.
Esse
indivíduo X, como o senhor nos classifica, muitas vezes é obrigado a esconder
sua sorologia como se fosse um pecado mortal ou um crime capital, por conta da
discriminação que só faz crescer em nosso país. Quando é xingado ou ameaçado
pela vizinhança, prefere mudar de bairro ou evitar sair à rua. Que, após longo
processo seletivo, é obrigado a ter seu sangue coletado e tem recusada sua vaga
profissional sem maiores explicações. E que, ante a ameaça de sua sorologia vir
a público, prefere esquecer o que aconteceu e tentar novamente. Até que cansa e
passa a acreditar que ele não passa disso, um indivíduo X.
Essa
Lei é fruto de uma longa luta desenvolvida pelas ONGs e redes de pessoas com
HIV. Ela é uma tradução do pensamento de Rui Barbosa, a quem o senhor teve o
atrevimento de desrespeitar. Como também desrespeitou a todas as mulheres,
idosos, gestantes, pessoas com deficiência e todo o povo do arco íris. Afinal,
para que tratá-los com tamanha deferência acima do cidadão comum?
Pobre
Rui...
Beto
Volpe