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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



sábado, 22 de março de 2014

Fardados e farsantes

Pessoal, compartilho com vocês matéria de Cynara Menezes, publicada hoje no site Carta Capital.
Beto Volpe


Em março de 1994, no aniversário de 30 anos do golpe, não apareceu ninguém disposto a ressuscitar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoio fatal dos privilegiados à deposição de João Goulart em 1964. O presidente era Fernando Henrique Cardoso, filho e neto de generais. Em março de 2004, com o operário Lula no comando do País, tampouco as viúvas da “revolução” se ouriçaram. O que explica essa agitação às vésperas dos 50 anos? Seria apenas o peso da efeméride ou o Brasil tornou-se ainda mais reacionário?
Convocada para este sábado 22, a reedição da marcha corre o risco de levar ao paroxismo a famosa frase de Karl Marx: “A história acontece como tragédia e depois se repete como farsa”. Mesmo nas redes sociais, onde a capilaridade das ideias grotescas e atrasadas é assustadora, a adesão à passeata não chega a empolgar. No Facebook, a principal página de convocação da marcha em São Paulo tem pouco mais de 20 mil seguidores. As demais, em outras capitais, não alcançam 3 mil. Em resumo: 100 mil nem na internet. Chama a atenção, porém, a tentativa dos organizadores de vincular o evento às Forças Armadas. Os pontos de encontro dos manifestantes são comandos estaduais do Exército e Tiros de Guerra. Militares da reserva e alguns poucos da ativa manifestaram apoio ao movimento.
Mais do que defender a possibilidade de uma intervenção militar, os oficiais de pijama parecem preocupados em salvaguardar o “legado” da “revolução” contra as “mentiras” disseminadas em seu 50º aniversário. É esse o teor, para citar um caso, do texto divulgado pelo general reformado Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-secretário-geral do Exército, em dezembro do ano passado.
“Nos 50 anos do Movimento Civil-Militar, o Exército Brasileiro será o alvo principal de intensa campanha de desgaste a ser movida pela jurássica esquerda radical, sempre abraçada à ideologia socialista, responsável pelos maiores crimes contra a humanidade no século XX”, escreveu. “Diante desse cenário, a consciência do militar, da ativa ou reserva, com certeza lhe dirá: não se omita. Hoje, a esquerda domina a política nacional e seu ramo radical-revanchista controla amplos setores dos Poderes da União.” Uma datação científica com carbono provavelmente localizaria esse texto entre 31 de março e 1º de abril de... 1964.
No mês passado, foi a vez do também reformado general de Exército Pedro Luis de Araújo Braga, presidente do Conselho Deliberativo do Clube Militar, destacar o “jubileu de ouro” da “revolução democrática brasileira” e da necessidade de defendê-la dos “detratores” que a chamam de “golpe” ou “anos de chumbo”. Em tom de ameaça, recorreu a um discurso típico da Guerra Fria: “O Brasil, que nasceu sob a sombra da cruz e que, como diz o cancioneiro popular, ‘é bonito por natureza e abençoado por Deus’, será sempre uma nação cristã, fraterna e acolhedora, amante da paz, livre e democrata. Jamais será dominada pelos comunistas, mesmo que isto custe a vida de muitos”. Braga classificou a Marcha da Família de antanho de “extraordinária”.
Na revista da Sociedade Militar, outro general reformado, Paulo Chagas, saúda a marcha como “um bom começo” e assume o golpismo. “A debacle da Suprema Corte, desmoralizada por arranjos tortuosos que transformaram criminosos em vítimas da própria Justiça, compromete a crença dos brasileiros nas instituições republicanas e se soma às muitas razões que fazem com que, com frequência e veemência cada vez maior, os generais sejam instados a intervir na vida nacional para dar outro rumo ao movimento que, cristalinamente, está comprometendo o futuro do Brasil. Os militares em reserva se têm somado aos civis que enxergam em uma atitude das Forças Armadas a tábua de salvação para a Pátria ameaçada.”
O Ministério da Defesa admite ser difícil prever o tamanho da reedição da marcha e tem monitorado a movimentação na caserna por meio de conversas com os comandantes das três Forças. Há uma orientação expressa dos chefes militares: os subordinados estão proibidos de tratar do assunto. Segundo apurou CartaCapital, o ministro Celso Amorim não vê motivos para maiores preocupações, pois não há participação de militares da ativa. Amorim tem consciência de que oficiais da reserva não perderão a oportunidade para colocar as mangas de fora, mas entende as críticas nas redes sociais como parte da liberdade de expressão em um país democrático. Ou seja, está garantido aos milicos de pijama um direito que a ditadura suprimiu da vida dos cidadãos.
Se é natural esperar saudosismo em militares aposentados, causa espanto encontrar o mesmo sentimento em civis. Apresentadora dos vídeos que convocam para a manifestação em São Paulo, Cristina Peviani protagonizou uma cena dantesca durante o depoimento da ex-presa política e militante do PCdoB Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, em dezembro passado. Enquanto Amelinha relatava, emocionada, os choques na vagina, seios e outras partes do corpo, as sessões de palmatória e uma tentativa de estupro, Peviani mascava chicletes, ria ruidosamente e lixava as unhas. Só se conteve depois de ser advertida por um agente do fórum.
Fã de Carlinhos Metralha, ex-agente da ditadura acusado de assassinato e tortura, Peviani, atualmente desempregada, segundo ela, “graças às nossas faculdades falidas”, provocou os militantes de direitos humanos que acompanhavam o depoimento de Amelinha do lado de fora do fórum. “Cuidado, somos torturadores”, dizia, em tom de deboche, enquanto filmava o ambiente com a câmera do celular. Em um dos vídeos nos quais convoca para a passeata, afirma, categórica: “Nós estamos num período muito, muito, muito horrível”. As páginas pró-marcha comprovam a frase.
Outro entusiasta do revival golpista, o advogado Célio Evangelista Ferreira é conhecido nos tribunais de Brasília por suas petições fora do comum. Ferreira solicitou três vezes o impeachment de Dilma Rousseff à Câmara. Todas foram negadas. Em uma das petições, pretendia tirar a presidenta do poder por ela ter instalado a Comissão da Verdade, “um atentado à Pátria”. Em janeiro, solicitou à Procuradoria-Geral da República que protegesse a marcha da família da ação do “segmento do banditismo oligárquico comunista no poder encastelado no Estado”.
O mais engraçado: Ferreira assina, em nome das Forças Armadas, um “documento” de apoio à manifestação de muito sucesso nos blogs simpáticos ao militarismo. O advogado também tentou registrar no Tribunal Superior Eleitoral sua candidatura à Presidência da República. A solicitação foi rejeitada pelo fato de a legislação eleitoral não permitir candidaturas avulsas. O TSE privou os eleitores de um pouco de comédia no horário eleitoral gratuito.
Não há muitos registros de movimentos semelhantes ao redor do mundo nos últimos anos. O mais recente aconteceu no Chile há dois anos, justamente durante a Presidência do direitista Sebastián Piñera, que acaba de ceder o posto à esquerdista Michelle Bachelet. Em nome da “liberdade de expressão”, Piñera autorizou a realização de uma manifestação em homenagem ao ditador Augusto Pinochet. O centro de Santiago virou uma praça de guerra, embate que não se repetiria no ano passado, quando se completaram 40 anos da morte de Salvador Allende. Em São Paulo, grupos antifascistas agendaram protestos na Praça da Sé para a mesma hora da marcha. Pode haver confusão. Ou pode não acontecer nada, dada a incapacidade atual dos movimentos reacionários de trocar o anonimato covarde e confortável das redes sociais pelos riscos das ruas.

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