Total de visualizações de página

Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

FALA DA RNP+ SP POR OCASIÃO DO EVENTO 30 ANOS DE RESPOSTAS POSITHIVAS

Queridos e queridas. Compartilho com vocês, bastante orgulhoso e de alma lavada, a fala do ativista Paulo Roberto Giacomini na abertura do evento "30 Anos da Respostas Posithivas" que está rolando em Sampa. Disse tudo.
Beto Volpe 
 
 
Quero cumprimentar a Dra. Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa Estadual de DST/AIDS de São Paulo e ao Dr. David Uip, Secretário de Estado da Saúde de São Paulo, por meio de quem cumprimento a toda a mesa.

Quero dedicar esta fala à paulista Gabriela
Leite. Gabi, essa é pra você.

Senhoras, senhores,

Estamos todas e todos aqui para celebrar os 30 anos da
primeira resposta à epidemia de AIDS no Brasil. Celebramos
os 30 anos de um programa de controle de uma epidemia
construído sob os pilares da participação social, cara
bandeira da Reforma Sanitária em 1983, agregada à
Constituição Federal cinco anos depois em todo escopo da
Saúde Pública brasileira.

Celebramos os 30 anos da primeira resposta brasileira à
epidemia, mas também os mais de 20 anos que São Paulo foi
o primeiro Estado brasileiro a distribuir antirretrovirais
às pessoas vivendo com HIV e AIDS. Celebramos, neste ato, o
embrião do que posteriormente foi premiado como o Melhor
Programa de AIDS do mundo, principalmente pelo pioneirismo e
pela inovação.

Pioneiro e inovador justamente por acreditar, num país
então de baixa renda, que distribuir antirretrovirais
manteria a vida das pessoas acometidas por uma doença até
hoje mortal e reduziria a transmissão do vírus, o que de
fato aconteceu em maiores ou menores
proporções.

Celebramos a criação de um programa construído, tijolo
por tijolo de sua estrutura, sob a égide dos Direitos
Humanos, da atenção integral às pessoas acometidas pelo
vírus da AIDS e pelo respeito às escolhas individuais
destes mesmos seres humanos. A partir de 1983, no Estado de
São Paulo, não era preciso carteira de trabalho assinada,
não era preciso ser trabalhador para ter-se atenção
integral à saúde se portador ou portadora do vírus HIV.
Muito pelo contrário. A partir daquele ano, há 30 anos,
para receber atenção integral e tratamento digno era
possível ser homossexual, usuário de droga, prostituta ou
hemofílico, sem o menor constrangimento.

Faz-se imprescindível ressaltar essas
características em tempos em que se ignoram os Direitos
Humanos e que acordos pela garantia de votos são mais
importantes que a Saúde Pública de 200 milhões de
brasileiros, tempo em que a religiosidade começa a
mostrar-se mais laica que o próprio
Estado.

É tempo de celebração. Celebramos aqui importantes
vitórias da luta contra a AIDS em todo o Estado de São
Paulo e em todo o Brasil. Por isso, é muito importante,
também, que lembremos e apontemos alguns gargalos.

O primeiro gargalo é o mais profundo esquecimento dos
Direitos Humanos como pilar da resposta brasileira à
epidemia. Quando campanhas e materiais dirigidos a
populações altamente vulneráveis ao HIV são censurados,
desrespeita-se o cidadão, o contribuinte e o consumidor. E
diz-se, com o silêncio, um enorme palavrão às
populações cuja autonomia e Direitos Humanos foram
propositalmente esquecidos.

Outro gargalo está no tempo de espera entre o
diagnóstico positivo para o HIV e a primeira consulta com
um infectologista em um Serviço de Atendimento
Especializado, serviços estes organizados a partir dos anos
90. No entanto, ao invés de se falar em expansão de
profissionais e serviços, fala-se em transferir essa
atenção especializada para a Atenção Básica. O Estado
de São Paulo, como pioneiro na resposta à epidemia de AIDS
no Brasil tem de dizer um rotundo não a essa pauperização
da atenção integral às pessoas vivendo com HIV e AIDS.
Quem sabe, no dia em que a Atenção Básica fizer a
abordagem sindrômica das doenças sexualmente
transmissíveis e perder o medo de diagnosticar e tratar a
sífilis congênita esta mudança venha a ser oportuna. A
AIDS se cronificou, mas não se tornou uma gripe. Não por
enquanto. Por isso, não é a resposta das pessoas que vivem
com HIV e AIDS no Estado de São Paulo. Não é a resposta
das Pessoas Vivendo com HIV e AIDS no
Brasil.

Um terceiro gargalo está no mais completo desaparecimento
dos profissionais capacitados para proceder às cirurgias
contra a lipodistrofia, o que vem acarretando depressão e
certamente acarretará em mais mortes por abandono do
acompanhamento médico e do tratamento antirretroviral.

Há outros gargalos. Por exemplo, o da falta de laicidade do
Estado e de alguns profissionais de Saúde que injetam doses
cavalares de moral, religião e costumes em suas consultas,
que mais parecem preleções religiosas. A Saúde Pública
tem de ser isenta. Isenta de partidos políticos, de
governos, de religiões e de crenças.

Mas um dos maiores gargalos se configura no aconselhamento, que
deve olhar para o indivíduo enquanto sujeito de direitos e
não enquanto sujeito que pode vir a ter direitos se adotar
os comportamentos prescritos. Deve-se prescrever a adoção
de práticas sexuais seguras, de estratégias de promoção
da saúde e de prevenção de doenças. Mas não se pode
prescrever o isolamento e a invisibilidade. 
O isolamento esvazia o movimento social. A invisibilidade
descaracteriza e esfria a participação social. Juntos, o
isolamento e a invisibilidade se fortalecem e nos
enfraquece. Não apenas a nós, das redes de pessoas vivendo
com HIV e AIDS; não apenas a nós das ONG que trabalham com
as questões em torno da AIDS. Mas enfraquece trabalhadores
e gestores da saúde. Enfraquece o nosso já tão combalido
Sistema Único de Saúde.

Está em consulta pública o novo consenso brasileiro
para tratamento antirretroviral. O documento incentiva
prescritores de antirretrovirais a estimular o início da
terapia de alta potência já a partir do diagnóstico. É
preciso mais do que estimular. É preciso incentivar,
motivar as pessoas com HIV e AIDS não apenas aderirem à
medicação e ao tratamento, mas à luta.

Porque apesar de tantas vitórias, ainda precisamos de
muita luta. Precisamos lutar pela manutenção de nossos
medicamentos; precisamos lutar pela manutenção de nossos
serviços; precisamos lutar pela manutenção de nossos
profissionais de saúde; precisamos lutar pela manutenção
das ações de prevenção e de assistência desenvolvidas
pelas ONG. Precisamos lutar pela manutenção da resposta,
pelo pioneirismo e pela inovação baseados nas evidências
contextualizadas da realidade brasileira. Porque ainda hoje,
mais do que nunca, precisamos lutar pela manutenção da
vida. Das nossas vidas. Viver com AIDS é possível, com a
invisibilidade, o isolamento e o abandono, não.

E já que parodiei um slogan governamental, termino parodiando
um slogan nosso, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV
e AIDS: um dia, no passado, já nos escondemos para morrer.
Hoje, mais do que nunca, precisamos nos mostrar para viver!

Obrigado.



Nenhum comentário:

Postar um comentário