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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

E agora, Queiroz?


Artigo publicado na edição de hoje do jornal A Tribuna do Litoral Paulista.

Descrição da foto: busto do nadador Daniel Dias com um sorriso quase tão brilhante quanto a medalha de ouro em seu peito.


Os Jogos Paralímpicos de Londres acabaram e não foi surpresa alguma, ao menos para quem tem a mente aberta e atualizada, termos tido um excepcional desempenho, especialmente se comparada à pífia participação brasileira nos Jogos Olímpicos. Quanto orgulho, quanta emoção, quantas lágrimas. Pessoas que estavam ali não somente por terem obtido os índices classificatórios para participar dos jogos, esse foi o menor dos desafios. Para eles, as paralimpíadas começaram, muitas vezes, na própria gestação.

Como algumas pessoas ousam chamá-los de deficientes? Como se atrevem a considerá-los anormais, já que usam com frequência o termo 'normal' para tudo aquilo que não envolve deficiências? Esses atletas transformaram paradigmas ao obter o 7º lugar no quadro geral de medalhas, conquistando nada menos que 21 medalhas de ouro. Ao passo que os atletas 'normais', incluindo os de esportes onde a infra é de dar inveja a países desenvolvidos, não foram além do 22º. Equipe esta que custou 123,5 milhões por medalha, levando em conta os incentivos fiscais e investimentos feitos pelo governo nos esportes olímpicos. Essa relação ainda não foi feita com o esporte paralímpico, mas deve ser irrisório não somente pela diferença de pódios, mas também pelo investimento feito, infinitamente inferior ao 'normal'.

Apesar de ter gerado mais mídia que os jogos anteriores, ainda pairou um manto de invisibilidade que, com o andar da carruagem da rainha e o subir e descer de pódios com rampas, caiu e obrigou as emissoras de televisão a dar mais atenção àquelas pessoas que, ao invés de saltarem, se arrastam para dar uma cortada no vôlei sentado. Que conseguem dar braçadas vencedoras sem sequer terem braços. Que enxergam o brilho dourado da vitória mesmo sendo cegas. Certa vez uma pessoa que conheço há décadas, de pseudônimo Queiroz, ao comentar os baixos índices de audiência da novela Viver a Vida disse que ninguém queria ver aquele tipo de coisa na hora do jantar, referindo-se à personagem cadeirante. Após uma breve intervenção minha sobre concessões, reparação de desigualdades, Rui Barbosa e coisas do gênero, ele disparou:

- Então agora todo mundo vai ter que transar com aleijadinhos?

Desnecessário dizer que a feijoada azedou e nossa amizade esfriou. Tivemos a oportunidade de nos reencontrar em uma mesa de bar e, para meu espanto e final da amizade, ele repetiu as mesmas palavras. Pois é, Queiroz, olha os aleijadinhos aí, dando uma senhora lição à nossa sociedade hipócrita e excludente. Eles tiveram que superar índices em caminhada com obstáculos, salto de meio fio e outras provas que a vida lhes impôs todos os dias. Inclusive o desafio da vida afetiva, afinal tem muita gente que pensa que aleijadinhos não têm vida sexual e por isso necessitariam de uma novela para dizer ao público para transarem com eles.

Aleijadinho é um artista barroco. Deficiente também não é o caso, como Londres demonstrou. São pessoas repletas de características, onde a deficiência é uma delas. São Pessoas com Deficiências que, segundo Darwin, expandiram seus mundos, surpreendendo a si mesmas e às pessoas ‘normais’. E que não se sentaram no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar.

Viva os atletas paralímpicos brasileiros pelo brilhante desempenho em Londres. Tenho certeza que na Rio 2016 vocês arrebentarão pois, se falta apoio, sobra garra e dedicação. Atitudes que lhes foram ensinadas, muitas vezes, na própria gestação.

Beto Volpe

3 comentários:

  1. Use o termo em português (Paraolimpíadas). estamos aleijando a nossa língua com o termo americanizado que não nos cabe.

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  2. O outro medalhista Beto, o do atletismo Yahosson, surgiu nos primeiros jogos escolares especiais que fiz junto a secretaria estadual de educação de alagoas. Sempre fui um lutador ela inclusão. Ele participou representando a escola estadual Aurelina Palmeira no bairro do vergel do Lago.

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  3. O termo é, realmente, esquisito. Seria muito melhor, até pela fonética, se fosse parolimpíada. Mas esse é o termo formal a partir da unificação às denominações em outros idiomas (paralympics, p.ex.) por conta das Paralimpíadas do Rio.

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