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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



Aproveite o blog!!!



Beto Volpe



quinta-feira, 29 de março de 2012

O governo Dilma e o controle social

É tão triste dar risadas de assunto tão sério. Bem, o Aldo Rabelo não falou bobagens sobre 'essas ONGs' à toa, não é mesmo? Leia, após as charges, o manifesto das ONGs que trabalham na luta contra a AIDS.
Beto Volpe








SOS: Governo Dilma coloca controle social da Aids em risco de extinção

Estamos vivendo uma situação sem precedentes de desmantelamento do controle social
da resposta à epidemia de HIV-Aids no Brasil. O sucesso da política brasileira sempre
esteve pautado num trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil organizada, que não
apenas cobrava ações efetivas das autoridades – como foco nos direitos humanos - mas
também era protagonista no desenho e implementação das políticas. Que não se enganem
os céticos em relação ao papel e importância desses grupos: certamente a crise das
associações que trabalham com o HIV e mesmo os grupos de pessoas vivendo com o
HIV é a crise da resposta brasileira à epidemia.

Recentemente, importantes organizações dedicadas ao tema do HIV-Aids fecharam suas
portas depois de anos de serviço público relevante. A ameaça do fechamento também
paira sobre outras organizações históricas que enfrentam crises severas de recursos, mas
que não nomearemos aqui em respeito às próprias organizações, que devem decidir o
momento e a forma de tornar pública suas situações. Algumas, tais como o Grupo
SOMOS (Rio Grande do Sul), O GAPA de Minas Gerais e o GAPA de São Paulo já
comunicaram publicamente a suspensão de atividades.

Embora a atual crise não seja a primeira enfrentada por organizações desse tipo, certo é
que essa é diferente, na medida em que é mais severa e mais invisível. Podemos dizer que
parte da origem desta crise reflete um recuo financeiro da cooperação internacional que
tem sido o modelo base do financiamento das ONGs neste campo no país. A origem deste
recuo tem por base dois fatores fundamentais - a crise financeira internacional dos paises
desenvolvidos e a nova projeção do Brasil no cenário internacional, que coloca o país no
papel de doador de recursos e não mais receptor – causando uma falsa percepção de que
os problemas internos estão resolvidos.

Vale dizer que esse recuo não afeta apenas as ONGs que atuam no campo do HIV-Aids, e
sim boa parte das ONGs brasileiras que dependiam desse modelo de cooperação
internacional para prestar um valioso papel na defesa do interesse público e na luta por
políticas públicas que universalizem direitos e cidadania no país. Apesar de terem sido
fundamentais para a realização de eventos históricos como a Cúpula dos Povos durante a
ECO 92 e o Fórum Social Mundial, além de terem conquistado o direito de participar de
diversas negociações internacionais, entre outros feitos, as ONGs brasileiras estão cada
vez mais reduzindo suas equipes e frentes de atuação por falta de recursos. Isso significa
que as muitas contribuições e conquistas realizadas em anos de luta estão sendo
retribuídas com silêncio e abandono, ao invés de um debate público que proponha
alternativas reais para a sobrevivência dessas organizações.

Recentemente, dados evidenciam o aumento da ajuda internacional do governo brasileiro,
incluindo ações humanitárias e contribuições ao sistema ONU1, equivalentes a US$ 1,4
bilhões nos últimos cinco anos. Não obstante a importância das doações brasileiras a
países e populações mais vulneráveis, é inaceitável que organizações locais fechem as
portas e deixem de atender aos brasileiros e brasileiras e, sobretudo, estejam impedidas
de monitorar, cobrar, construir em colaboração e fiscalizar a execução de políticas em
saúde com recursos públicos. A quem interessa essa debilidade da sociedade civil
organizada?

O aumento do PIB brasileiro, que passa até mesmo o do Reino Unido, como sinônimo de
desenvolvimento é uma premissa simplista e conveniente. Excluem-se da equação a
renda per cápita, as fortes desigualdades internas, as situações de extrema exclusão de
parte da população e a manutenção de vulnerabilidades sociais – terreno fértil para a
concentração da epidemia de AIDS em seu seio. O Brasil, que brilha nos salões de
Genebra e Nova Iorque certamente não é o mesmo com o qual lutamos todos os dias,
com suas incoerências, injustiças e inadequações. Por isso ocupa o 81º lugar no índice de
desenvolvimento humano.

Além da crise financeira, a outra face da moeda é a notória crise política. No campo do
HIV-Aids podemos dizer que o diálogo da sociedade civil com o Estado vem se
deteriorando e chega agora a um momento crítico. O agravamento teve seu ápice nos
últimos meses, no que a imprensa tem chamado de “clima anti-ONGs”. Não recuperamos
em nossa memória recente um período de tamanho distanciamento entre o Ministério da
Saúde e a sociedade civil brasileira. Concretamente podemos citar o recente episodio de
censura da campanha de prevenção para o carnaval de 2012 - orientada a homossexuais -
cujo veto partiu unilateralmente do Poder Executivo; a negociação e assinatura de
contratos de transferência de tecnologia de medicamentos para HIV com empresas
transnacionais farmacêuticas sem transparência e na contra-corrente da histórica posição
brasileira de uso das flexibilidades de proteção da saúde pública da Lei e Patentes; os
episódios seqüenciais de desabastecimentos de medicamentos antirretrovirais cujas
causas não foram adequadamente esclarecidas e a perceptível (e inexplicável) ausência e
clara exclusão de organizações da sociedade civil brasileira na Conferencia Mundial de
Determinantes Sociais de Saúde, organizada pelo Brasil em 2011.

Ademais do esgarçamento das relações da sociedade com o Ministério da Saúde,
assistimos perplexos ao visível desmonte do Departamento de DST AIDS. Embora haja
uma clara preocupação em desfazer essa impressão, notamos o desligamento do
Departamento de um número expressivo de pessoas classicamente envolvidas na luta
contra a AIDS no país. As causas são obscuras, e também merecem esclarecimento.
A invisibilidade da crise das ONGs anti-AIDS e a supressão de sua importância encontra
lastro na suposta incorporação nas políticas públicas de todas as demandas da sociedade;
no argumento de que as ONGs se desvirtuaram e servem hoje apenas de instrumento de
desvio de dinheiro público e na aceitação pacífica da crença de que o Brasil está em pleno
desenvolvimento. Nesse contexto, a participação da sociedade civil organizada não seria
um elemento supérfluo, anacrônico?

Para responder a essa pergunta faz-se necessário recuperar um pouco dos ensinamentos
de precursores da inteligência brasileira sobre HIV-Aids e Direitos Humanos. Há mais
de vinte anos, a solidariedade foi o elemento que orientou a resposta brasileira à epidemia
no país e ela não era apenas vista como um elemento de luta contra preconceitos e
estigmas, mas também como um princípio fundamental para a mobilização. Como dizia o
sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a Aids não é um problema apenas de saúde,
restrito àqueles que vivem com HIV e aos profissionais de saúde, mas sim um problema
social que deveria ser enfrentado por diferentes segmentos da sociedade e não somente
com ações diretas de saúde, mas também com políticas sociais.

Àquela época, o Brasil se encontrava no processo de redemocratização. Na aprovação da
Constituição Cidadã, o direito a saúde foi incorporado e definiu as bases para o sistema
público de saúde regido pelos princípios da universalidade, equidade, integralidade e
controle social. Tal contexto possibilitou sinergias na luta travada no campo do HIV
contra o que Herbert Daniel, outro ícone da luta contra a Aids, chamava de ‘morte civil’.
Nos vinte anos da morte de Herbert Daniel, poderíamos dizer que emerge hoje um novo
conceito de “morte civil”. Àquela época significava uma restrição de direitos civis
durante a própria vida em função da infecção pelo HIV. Hoje, podemos considerar a
‘morte civil’ como este sufocamento do principio basilar do SUS: o controle social. Se
antes a ‘morte civil’ acontecia em decorrência da Aids, hoje ela é causadora da Aids, pois
sem controle social efetivo, menores são as possibilidades de garantia de direitos para os
excluídos, justamente os mais vulneráveis à infecção e para os quais a Aids se torna cada
vez mais uma conseqüência da própria condição de exclusão social.

Sabemos do papel histórico dos movimentos sociais na construção da cidadania no
Brasil. A preservação dos princípios do SUS é uma luta constante e em permanente
construção. A restrição de um de seus princípios, como o controle social, certamente
afeta os demais e, por que não dizer, afeta todo o processo democrático.

Como dizia Betinho, não cabe às ONGs brasileiras acabar com ou pretender substituir o
Estado, mas colaborar para a sua democratização. Muitas ONGs que trabalham com HIVAids
têm feito isso com dedicação há pelo menos trinta anos e não é por outro motivo
que o programa de Aids do Brasil é considerado um dos melhores do mundo. Enquanto
essas organizações ajudavam a construir as bases desse programa, eram chamadas de
parceiras. Agora, quando tentam colaborar de forma ativa para seu bom funcionamento,
são sumariamente ignoradas. Além disso, no momento em que o enfraquecimento dessas
organizações é mais latente, o silêncio impera. No entanto, as ONGs-Aids ainda têm
muito que dizer, fiscalizar, propor e defender. Nem que seja em mensagens coladas em
portas fechadas. 

Não queremos sentir nostalgia dos dias em que o controle social existia
de fato, queremos que as autoridades que agem com descaso frente ao desmantelamento
desse principio sintam vergonha proporcional à ofensa que isso representa à democracia
brasileira e à todos que lutaram por ela.

Rio de Janeiro, março de 2012

ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids)
GIV (Grupo de Incentivo à Vida)
GRAB (Grupo de Resistência Asa Branca)
GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids) - RS
GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids ) – PA
GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids ) - SP
GESTOS – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Grupo Pela Vidda – RJ
GTP + (Grupo de Trabalho em Prevenção Posithivo)
Fórum de ONGs Aids – SP
Fórum de ONGs Aids – RJ
Fórum Paranaense de ONGs-Aids
RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids) - RS
RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids) - RJ
MNCP+ (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) - RS
MNCP+ (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) - MG
MNCP+ (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) - PR
+ Criança
Grupo de Apoio à Criança Soropositiva
Libertos Comunicação
Aviver
Aneps
CEDUS (Centro de Educação Sexual)
Articulação Aids da Bahia
Grupo Água Viva - Centro de Referência e Prevenção das DST/AIDS
Grupo Assistencial SOS VIDA
REDE LATINO AMERICANA E CARIBENHA DE AÇÕES VOLUNTARIAS DE
COMBATE AO HIV/AIDS - REDLACV0+
Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite
Fórum de ONGs Aids – MG
CEDAPS (Centro de Promoção da Saúde)

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