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Sou muito humorado. Se bem ou mal, depende da situação...

Em 1989 o HIV invadiu meu organismo e decretou minha morte em vida. Desde então, na minha recusa em morrer antes da hora, muito aconteceu. Abuso de drogas e consequentes caminhadas à beira do abismo, perda de muitos amigos e amigas, tratamentos experimentais e o rótulo de paciente terminal aos 35 quilos de idade. Ao mesmo tempo surgiu o Santo Graal, um coquetel de medicamentos que me mantém até hoje em condições de matar um leão e um tigre por dia, de dar suporte a meus pais que se tornaram idosos nesse tempo todo e de tentar contribuir com a luta contra essa epidemia que está sob controle.



Sob controle do vírus, naturalmente.



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Beto Volpe



domingo, 23 de janeiro de 2011

OSSO DURO DE ROER - publicado em 19/11/10 em 'A Tribuna do Litoral Paulista'


Quem me conhece um pouco sabe que também sou chamado como ‘aquele maluco de bengala que anda com o osso dele num vidro pra cima e pra baixo’. Sabe também que esse osso, uma cabeça de fêmur, foi extirpado de meu corpo em um processo que teve início em 2000, com o surgimento de fortes dores musculares na perna direita e o diagnóstico de osteonecrose, morte óssea em grego. Bem, talvez seja uma estratégia da Morte: já que ela não consegue me levar de vez, vai à prestação. Mas a minha não queria apenas levar uma parte de mim, queria me fazer sofrer, também. E veio acompanhada de outro diagnóstico, de osteoporose avançada, fechado em uma fratura de fêmur durante uma caminhada. À parte as ironias que hoje consigo fazer sobre tão doloroso e limitante processo, o fato é que desde então a luta pelo reconhecimento dos efeitos colaterais passou a ser um ponto central em minha atuação como ativista, mas as respostas eram sempre as mesmas: ‘Não há evidências disso’, ‘Não se sabe se é do vírus ou do coquetel’, ou a minha preferida: ‘Não devemos falar de efeitos colaterais, vai prejudicar a adesão...’

E nessa invisibilidade as dores foram se tornando insuportáveis até que minha cabeça de fêmur apodreceu de vez e nasceu o ‘Osso Volpe’, de tão integrado que ainda continua a mim. Ele foi substituído por uma prótese em 2002, mas antes da cirurgia gritou que sairia de meu corpo, mas que entraria para a história. E assim o foi, a bandeira agora tinha cara, e que cara! Um osso em um vidro com álcool passou a ser escancarado em isoladas ou improvisadas manifestações em congressos, reuniões da sociedade civil e, ainda assim, nada. O movimento social não absorveu essa bandeira da forma como deveria, mesmo com muitas de suas lideranças apresentando problemas inéditos para seus médicos há muito tempo. Sem números e sem mobilização, resultado negativo, prejuízo na certa. E a conseqüência, finalmente, apareceu em estudo do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da USP demonstrando que 17% de soropositivos desenvolvem algum tipo de complicação óssea, normalmente osteoporose e osteonecrose. Bingo!

Mancos e cadeirantes proliferam em nossos serviços de assistência, quando o acesso lhes é facultado, mas ainda são ignorados pelas políticas públicas. Pior, quantos deles tiveram chances de ter um diagnóstico precoce, do qual tanto se fala em AIDS? Ainda existe um grande desconhecimento do tema por parte do SUS, do impaciente ao gestor, do infectologista ao ortopedista, retardando diagnósticos, elevando a venda de antiinflamatórios e levando pessoas com HIV a situações de deficiência, muitas vezes evitáveis. Fóruns e seminários foram realizados, estratégias traçadas, o tema de deficiências foi inserido no Congresso de Prevenção deste ano de forma transversal, mas ainda é muito pouco. Na prática, ainda vivemos em uma grande era das trevas, onde historicamente se joga a responsabilidade para baixo do grande tapete da falta de dados e do imobilismo, tanto por parte da gestão quanto pela sociedade civil. Recentemente, na Assembléia Nacional das Pastorais da AIDS, o novo diretor do Departamento Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais lamentou a acomodação da sociedade civil, que estaria ‘meio apagada’.

Seja bem vindo, doutor Greco.
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Beto Volpe

4 comentários:

  1. Olá.Beto! Não nos conhecemos. Achei pertinentes todas as tuas colocações. Faremos uma mostra (Mostra Lá em Casa) ainda sem data definida!Gostaria muito que estivesse presente!
    Abraço!!!

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  2. Caro amigo Beto Volpe. Bom dia. Seu blog além de humorado na medida do possível, faz um alerta e induz a uma reflexão. A banalização da pandemia não pode ser incorporada pelos seus protagonistas. Julio Caetano - Rio Preto

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  3. Sensação de estar lobotizada, ainda que aqui na minha cidade arregaço as mangas,invés de reclamar da vida.

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  4. E o jeito é esse, mesmo, arregaçar as mangas. Se puder arregaçar uma boa risada junto, melhor ainda!

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